SEMEANDO A ESCRITA – A quem escrevo?

SEMEANDO A ESCRITA – A quem escrevo?

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Por algum tempo, perguntei-me a quem eu escrevia. Ainda me pergunto, às vezes. Dúvidas estas que, dentre outras, orbitam a curiosidade e pairam ante o questionamento de eu estar ou não sendo lida. Preocupo-me em ser lida! Por quê? Não sei ao certo… Talvez pela gana de passar adiante o pouco que sei e um pouco do que penso. Talvez pela pretensão de querer tocar ou ser recepcionada por outros corações. Talvez pelo fato de querer ser ouvida ou por carregar a profundidade de quem tem muito a dizer e, por algum motivo, sente-se vulnerável ao olhar nos olhos de quem tanto espera que o ouça…

 

“Minhas palavras passeiam pelo teu corpo…

Tocam-te, livremente

Adentram a tua mente

E, mesmo que eu não as transcreva…

Escuta-as!

Audível se torna tudo o que não digo

E, talvez, até…

O que hei de ter vontade de dizer.”

(Lilian Barbosa)

 

Escrevo a quem não compreende – ou não aceita – o sentido das reiteradas amarguras decorrentes do simples ato de estar vivo, como uma forma de ressignificar os gritos da alma e enaltecer a maturidade obtida junto aos aprendizados consolidados.

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“Tinha um sentir profundo, proveniente de uma mente profunda, esculpida pelas ulcerações da vida. Foram anos de sofrimentos – dos mais angustiantes – que forjaram a intensidade e o preço do sentir. Experienciar as piores dores lhe tornou mais interpretativa e lhe concedeu a liberdade de pensamento que, até então, não detinha.

 

Não fossem tais dores, jamais teria se despido do conforto de outrora; jamais teria experimentado a mais densa sabedoria. Compunham-lhe a alma as mesmas angústias que lhe aguçavam toda e qualquer sensação. Para o bem ou para o mal, as feridas aprofundaram-lhe o conhecimento… Doses intensas do saber degustados em apurados sentimentos, todos resultantes da clarificação das mazelas que a tornavam, resignadamente, humana!” (Lilian Barbosa)

 

Ou mesmo pelo fato de que, aquele que me lê, o faz sem as interrupções de uma voz embargada que me impossibilitaria de falar…

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“Se olhasses em meus olhos como olho nos teus, verias o choro contido em uma alma inundada em desolação.

Se enxergasses os meus feitos como vejo os teus, assimilarias o quanto me reinvento para me tornar alguém melhor.

Se sentisses saudades como sinto de ti, entenderias o alívio que é estar em teus braços.

Se prestasses atenção ao que sussurro aos teus ouvidos, entenderias a dor que esbraveja em meu coração.

Se…

Apenas se…”

(Lilian Barbosa)

 

Talvez eu escreva a todo e qualquer leitor pelo simples fato de precisar conversar. Uma espécie de monólogo com resquícios de diálogo. Ou, quiçá, escreva com a pretensão de adivinhar o que cada leitor pensa ou sente; um anseio indireto de acolher àqueles que, como eu, possuem fardos sobre os ombros e que precisam se sentir abraçados por palavras. Há palavras que possuem o condão de amenizar certas dores. Há sentimentos que são derramados por essas mesmas palavras e trazem o discernimento de que quem lê não está sozinho.

 

Vez ou outra, tenho a impressão de conhecer quem me lê. O paradoxal é que, muitas vezes, nem sei quem é ou seria o leitor. Não me julguem! Há tantos escritores que o fazem… Cada qual ao seu jeito. O grande mestre Machado de Assis o fazia de maneira icônica. Vale a pena citar fragmentos de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”:

 

“Meu caro crítico,

Algumas páginas atrás, dizendo eu que tinha cinqüenta anos, acrescentei: “Já se vai sentindo que o meu estilo não é tão lesto como nos primeiros dias”. Talvez aches esta frase incompreensível, sabendo-se o meu atual estado; mas eu chamo a tua atenção para a sutileza daquele pensamento. O que eu quero dizer não é que esteja agora mais velho do que quando comecei o livro. A morte não envelhece. Quero dizer, sim, que em cada fase da narração da minha vida experimento a sensação correspondente. Valha-me Deus! é preciso explicar tudo.” (Machado de Assis)

 

“Começo a arrepender-me deste livro. Não que ele me canse; eu não tenho que fazer; e, realmente, expedir alguns magros capítulos para esse mundo sempre é tarefa que distrai um pouco da eternidade. Mas o livro é enfadonho, cheira a sepulcro, traz certa contração cadavérica; vício grave, e, aliás, ínfimo, porque o maior defeito deste livro és tu, leitor. Tu tens pressa de envelhecer, e o livro anda devagar; tu amas a narração direta e nutrida, o estilo regular e fluente, e este livro e o meu estilo são como os ébrios, guinam à direita e à esquerda, andam e param, resmungam, urram, gargalham, ameaçam o céu, escorregam e caem…”

(Machado de Assis)

 

É cristalino que escrevo a quem almejo falar, mesmo que seja indeterminado. Escrever implica a necessidade de um interlocutor, ainda que o interlocutor seja o próprio escritor. Não raramente, escrevo a mim o que preciso tanto ler. Penso que seja uma forma de organizar os próprios pensamentos e tornar mais claro o que eu ponderava já saber, mas que não fazia sentido ante a desorganização de tantos e tantos pensamentos abstratamente dispostos em minha mente. É nesse momento que elevo a constatação: escrevo a você, com quem converso, como uma forma de mostrar ao teu coração certos axiomas que jorram dos meus olhos ou que estorvam a minha garganta. Escrevo a mim, que preciso aliviar o peso dos sentidos e sentimentos que me assolam o peito.

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“É bom escrever porque reúne as duas alegrias: falar sozinho e falar a uma multidão”. (Cesare Pavese)

 

Tu, que me lês, é quem legitima e traz vivacidade àquilo que escrevo. É possível que não saibas, leitor, o grande poder que tens de transformar parcas palavras lidas em uma riqueza de significações e subjetividades!

 

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Por LILIAN BARBOSA

 

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