CONTOS E MINICONTOS – Amor eterno por Ivete Rosa

CONTOS E MINICONTOS – Amor eterno por Ivete Rosa

Em um hospital que trabalhei como auxiliar de enfermagem tinha um casal que chamou minha atenção. Passavam por tratamento médico com o mesmo diagnóstico câncer. Os colegas que trabalhavam há mais tempo no andar da oncologia, diziam que já estavam no hospital a meses. O filho que foi trabalhar fora do País, pagava a estadia dos pais, para que não ficassem em casa, sós com os empregados, ali teriam tudo o que precisassem e receberiam todos os cuidados paliativos. Estavam em estágio terminal, teriam o suporte necessário, uma vez que não poderia se ausentar do trabalho diplomático.

 O casal tinha por volta de 70 anos, não aparentavam essa idade, apesar do tratamento pesado, com a quimioterapia que deixa o corpo debilitado e causa desconfortos e magreza excessiva.

 O câncer do marido era menos agressivo, estava com C.A no estômago, e parecia reagir bem ao tratamento. Quando estava nos bons-dias, brincava e pedia: – quero um bom filé malpassado, por favor, e uma cerveja supergelada para acompanhar. Todos riam, ele era ótimo. Apesar de tudo cultivava o bom humor, às vezes se estivesse bem, o colocávamos em uma cadeira de rodas, ele fazia questão de pegar a mão da esposa, que dormia quase o tempo todo, pois, o câncer era bem mais agressivo. Ali ele ficava calado e dava leves tapinhas na mão da mulher, beijando-a em seguida. Eram pequenos momentos de ternura.

 Ela era um ou dois anos mais, nova que ele, tinha um câncer diferente, o dela atingiu o intestino e estava com metástase. Por anos ela cuidou do marido e do filho, um diplomata que estava na embaixada na Cidade do Cabo. Tinham vivido por mais de 40 anos juntos. Como dizia o esposo, não haviam passado sequer um dia, separados. Tinham expressões felizes, apesar da doença, não mostravam indignação, medo ou tristeza.

 Por vezes vinha uma moça morena que chamavam de filha, ou pequena Liz. A esposa se sentava, com nossa ajuda e de Liz, a moça escovava e penteada com muito cuidado os poucos fios de cabelo da senhora. Depois massageava seus ombros, pernas e pés, isso sob o olhar atento do esposo e suas orientações.

 Quando a moça saia do quarto eles ficavam calmos e adormeciam. No corredor ela se sentava em uma cadeira do lado oposto, ali permanecia com a cabeça baixa, aparentando estar em prece, por mais de uma hora. Passávamos por ela, que erguia os olhos e expressava um tênue sorriso. Todos gostavam dela, e ficávamos muito contentes, porque quando ela visitava o casal, todos da ala teriam um dia tranquilo. Passamos a ansiar pelas visitas de Liz. Depois a moça se levantava e andava devagar até elevador, e já sabíamos que retornaria na outra semana. Isso se repetiu por meses. Mas a mulher sofreu um ataque cardíaco e faleceu na noite em que completou 70 anos. O esposo assistiu toda a agonia, não quis que sua cama fosse retirada do quarto.

 Então algo, incomum, aconteceu. Ele adormeceu, enquanto retiravam o corpo da mulher. O deixamos descansar, nenhum aparelho deu sinal de parada ou soou algum ”bip”. Quando o enfermeiro responsável, entrou no quarto tomou um susto, chamou outra colega, eu também fui ao corredor perguntar o que estava ocorrendo, ele não conseguia falar, apontou para a enfermaria. Todos vimos Liz e o casal, caminharam para fora do quarto, andaram pelo corredor, por fim desapareceram sem explicação.

 Todos nós ficamos atordoados, choramos, rezamos e agradecemos a Deus por ter a oportunidade de ver a presença de um ser angelical, com nossos olhos descrentes e muitas vezes sem esperança. Em nossa luta por nossos pacientes, muitas vezes achamos ser injusto tanto padecimento, dor. Muitos inconformados, não aceitam a doença, não confiam na presença de um amor maior o amor de Deus por seus filhos. O amor que liga almas irmãs, que tanto se amam que não conseguem viver nem mais um minuto sem o outra. O amor de pais e filhos, que converge para a gratidão, aceitação e a confiança de que existe outro mundo muito mais evoluído que à terra dos mortais.

 E quando o médico ligou para o filho, contou a história, mesmo não tendo presenciado o ocorrido. E o rapaz respondeu – Doutor, já estou indo para o aeroporto, chegarei amanhã no final da tarde. A moça que disseram ter visto no hospital, era minha irmã Elisabete, que morreu anos atrás. Ela me avisou, em sonho, sobre o desencarne dos meus pais. Contatei a um amigo de nossa família, para adiantar os trâmites necessários. Agradeço ao Senhor e sua equipe por cuidar daqueles que muito amei, e sempre me amarão.

 O médico, um homem de ciência, acreditou que houve um milagre, ele mesmo já havia passado por Liz, e a cumprimentara, o sorriso da moça deixou nele uma semente de alegria naquele dia, pensando bem em todos os outros dias, ele se recordava do lindo sorriso, e se sentia muito bem.

 O amor é eterno e transcende a vida como nós a conhecemos. O amor de um casal, que ficaram juntos até depois da morte física, de um filho a distância cumprindo sua missão terrena, de uma mãe que teve os laços de outro mundo para aliviar seu sofrimento, e acima de todos, o de Deus, permitindo que seus seres de luz, venham à Terra para nos mostrar, o verdadeiro amor, que continua eterno nos corações e almas por ele tocados. Continuamos junto aos que amamos, porque o amor é eterno.

Por IVETE ROSA

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