CONTOS E MINICONTOS – O tédio é uma sensação em extinção por David Gustavo

CONTOS E MINICONTOS – O tédio é uma sensação em extinção por David Gustavo

Aqui estou eu, sentado na antessala de um consultório médico, onde pensei que ficaria no máximo 10 minutos, ledo engano, estou há 1 hora. Fico algum tempo mexendo no celular, quando caio no limbo esquisito, algo que lembra o tédio. Levanto a cabeça, cansada de ficar na mesma posição porque ela é grande e pesada. Vejo todos em volta, e a cena é a mesma para quase todos: cabeça baixa, com os dedos freneticamente para cima e para baixo no celular.

Isso me chamou atenção para um fato que para muitos já é bem óbvio: nós não ficamos mais entediados. O tédio é uma sensação em extinção. Observar isso naquele tipo de ambiente que sempre foi, para mim, uma tortura não só por não está bem de saúde, mas pela espera interminável, foi um ponto de virada. Se antes os consultórios disponibilizavam dezenas de revistas em suas salas de espera, exatamente por saber que este momento é ‘habitat’ natural do tédio. Atualmente, não precisam mais se preocupa com gastos em assinaturas das mesmas, (até porque não existem mais) basta colocar wi-fi com senha acessível, pronto, problema resolvido. Se no passado, tínhamos de nós contentarmos com a TV, que se dividia entre programas sensacionalistas e novelas com enredos repetitivos. Hoje, temos tanto streamings de filmes e séries, que era preciso mais de uma vida para assistimos tudo.

Apesar de eu não ter base nenhuma científica (deve ter, só não sei qual) arrisco dizer que o tédio é o que nos faz mais criativos. Ou vocês acham que Isaac Newton descobria a gravidade se tivesse jogando free fire, ou que Freud descobria a psicanálise se tivesse no tiktok vendo dancinhas da mesma música por trilhões de vezes em seu tempo livre? Ou que Albert Einstein desenvolveria a teoria da relatividade e tivesse vendo stores no Instagram por dez horas de uma pessoa que está ficando milionária a sua custa? E aí, não tô querendo ir de contra a todas essas redes sociais. Até porque, como todos que ainda não foram abduzidos para outros planetas e ainda querem participar dessa sociedade, também, as utilizo. Porém, também é preciso usar “tempo livre”, (se é que alguém ainda tem) para contemplar o nada e desintoxica nosso cérebro das informações.

Quando mantemos nosso cérebro ocupado o tempo todo, esquecemos de nós mesmo. Quanto mais ocupados, menos vivemos. A ocupação é a cegueira, e o “não fazer nada” é que nos faz enxergamos melhor a nós mesmos. Precisamos da preguiça. Do ócio.

Precisamos do nada para encontramos tudo. E contemplar o nada, para nos acharmos nele. Quando deixarmos de contemplar o nada, deixamos de mergulhar no mar de nós mesmo. É como se tivéssemos vivendo para o mundo, não a nossa vida. Como fossemos telespectadores da vida do outro no nosso próprio filme.

É preciso desconectarmos, para conectamos com nós mesmos.

 

Por DAVID GUSTAVO

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