Toda vez que passava por uma janela a caminho da terapia eu via um pássaro morto. Imediatamente fiz o que qualquer mente perturbada faria: associei-me a ele. Era um deleite como a ironia do destino me serviu de uma estética que se encaixa perfeitamente nas minhas ideações. A cada semana nosso estado de decomposição se elevava – o que me garantia um abjeto sentimento de paz.
Eu, como romântico desalmado, passei a enxergar no pobre pássaro morto a satisfatória libertação do tormento da existência. A cada semana mais e mais se perdia daquela ave até sobrar apenas os ossos. No entanto, eu me recuperei.
O pressentimento de que a morte teria me concedido paz perdia forças – triste para o escapista dentro de mim, e júbilo ao jovem que ousou viver.
Comecei a sentir a necessidade de libertar o pássaro, o que me impediu de enterrá-lo? Meu TOC. Penso em comprar luvas para que pudesse dar-lhe os dignos ritos ao meu outrora espelho e agora plena carcaça.
Sem dúvidas concebi outras correlações com seu esqueleto e como plácido estava. Eu também poderia alcançar aquilo – este estado de paz – se eu me deixasse cair como ele caiu. Ou se tivesse caído.
Não vou mentir, ao chegar na janela ainda faço questão de olhar se ele está lá. Depois o sorriso retorna ao meu rosto.
Óbvio, verei a carcaça na semana seguinte – até que não veja mais.
Por MIGUEL MORENO