PROSA – No interior do meu futuro cadáver por Joaquim Cesário

PROSA – No interior do meu futuro cadáver por Joaquim Cesário

Quantas mortes ainda trarei no interior do meu futuro cadáver?

Quantas vezes ressuscitarei das noites, para acompanhar o envelhecer dos dias, a partir das auroras em que acordo espantado?

Quantos sonhos serão espatifados no esbarrar com as paredes do quarto?

Quantos lenços de papel descartáveis irei usar para enxugar as lágrimas que trago, por detrás das aparências e dos disfarces?

Quantas ocasiões até lá escutarei calado as afrontas, cujas respostas embargo no travar dos dentes e dos lábios?

Quantas estrelas deixarei de ver, além dos confins do universo enxergado, apenas porque meu telescópio está velho, míope e estrábico?

Quantos talvez fiquem para trás, pelo simples fato de corriqueiramente chegar atrasado?

Quantos desejos serão desapontados, preocupado em pagar as contas e de ser visto como um bom menino ou um homem bem-comportado?

Quantos passos deixarei de andar, por causa do receio de escorregar, tombar ao chão e machucar o braço?

Quando esquecerei de mim e me misturarei à multidão ao lado, para com todos nela seguir a boiada?

Quando desistirei de pensar o que penso, para me desviar dos pensamentos desquietados, sossegando-me no sofá da sala assistindo seriados?

E quando nada mais disso em mim houver, é porque fui devidamente morto e cremado.

Por JOAQUIM CESÁRIO DE MELLO

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