Laços vermelhos, presentes sob a árvore e amor fraterno são alguns dos símbolos que permeiam o imaginário do mês de dezembro em boa parte do mundo. Entretanto, o último mês do ano é repleto de festividades diversas e com elas simbolismos antigos que nem sempre refletem um período mágico ou tampouco amigável.
Entre as diversas crendices, um personagem folclórico europeu aparece como antagonista das figuras natalinas benquistas. Ora como uma versão temível de Papai Noel, outras como um demônio saído das profundezas de uma época barbárica ou ainda como a outra face de um santo católico.
Seja como for, a figura do mal sempre ronda o imaginário popular, mesmo na noite mais “feliz” do ano.
Hoje, vamos juntos desbravar um pouco mais sobre o temível Krampus, e decifrar de uma vez por todas, por que o medo é um dos convidados à mesa para o natal.
O Krampus é uma criatura antropomórfica, retratada como um meio bode, coberto por uma densa pelagem escura, garras poderosas, diversos pares de chifres e uma comprida língua, que pende da bocarra dentada, salivando em busca de suas presas. Ele sempre traz um cesto de vime e varas de bétula e em algumas versões, ele ainda pode vir trajando um cinto de sinos e armado com um tridente.
O nome Krampus deriva da palavra do antigo alemão “kralle” e significa “garra” e sua lenda tem maior popularidade nos países alpinos como a Eslovênia, Hungria, Croácia, Áustria, Alemanha e até mesmo na Itália, ainda que seu simbolismo possa ser encontrado nas mais diversas culturas pelo mundo.
krampus -Imagem de Markus Pitzer por Pixabay
Sua história e origem, tal como é próprio da cultura, modificou-se com o passar do tempo, a mudança religiosa e até mesmo as particularidades geográficas ao qual o conto foi submetido. Entretanto, sua função sempre se manteve inalterada: O Krampus — fosse como personagem, fosse como espécie de criatura — tem por função punir as crianças malcriadas.
Embora tenha de fato uma origem pré-cristã, inspirado pelo costume pagão de se fantasiar como uma horrenda entidade para afastar os espíritos malignos do inverno, alguns erroneamente defendem que a procedência de tal criatura venha do folclore do norte-europeu, sendo o Krampus um dos filhos de Hel, a deusa do mundo dos mortos do paganismo nórdico. No entanto, historiadores contestam tal afirmação dada a falta de evidências históricas que legitimem tal raiz histórica.
A versão mais aceita de sua origem — e ainda popular em países como a Áustria — é que o Krampus seria um remanescente do cripto-paganismo das áreas rurais da Baviera, Croácia, Suíça e até mesmo Áustria e, tenha de forma sincrética, se tornado a contraparte e companheiro de viagem do Santo Nicolau, o patrono das crianças, antigo bispo católico, célebre no imaginário cristão-romano por presentear crianças comportadas com frutas frescas, nozes e doces no início de dezembro.
Embora tenha havido grande comoção da Igreja para que a figura do Krampus fosse banida do imaginário popular, ele continuou a ganhar popularidade e fundamentou-se como parte essencial da dinâmica alpina cristã.
Conforme conta a lenda, o demônio visitaria as casas junto do Santo Nicolau durante o período do Holy Saint’s Feast.
No dia 5 de dezembro Krampus infligiria nas crianças malcomportadas castigos físicos, como o espancamento com a vara de bétula. Para aqueles especialmente malcriados, a criatura poderia ainda metê-las no saco e levá-las para os fogos do inferno, ou, se fosse aprazível para o monstro, para eventualmente devorá-las.
krampus -Tradiçao & cultura Imagem
As crianças bem-comportadas, no dia seguinte, seriam presenteadas pelo Santo Nicolau.
As descrições mais detalhadas dessa horrenda criatura, utilizada pela religião católica como figura de oposição do divino, surgem em meados do século XIX, com os registros da festividade conhecida o Krampuslauf ou a “Corrida do Krampus”, feito por folcloristas da época.
Nos países onde a lenda se origina, essa festividade ocorrida no dia 5 de dezembro se caracteriza por homens adultos, geralmente embriagados, aterrorizarem suas vilas vestidos com lã negra, máscaras de madeira e toda sorte de apetrechos necessário para caracterizá-los como um Krampus real.
Vale ressaltar que essa festividade permanece atualmente e é largamente popular em países como a Suécia e Alemanha, sendo inclusive considerado essencial para a preservação da cultura alpina.
De desfiles, filmes, jogos, cartões de natal bem-humorados e até mesmo quadrinhos, essa figura folclórica que servia para inspirar medo e exigir bom comportamento das crianças durante as longas e difíceis noites de inverno vem se tornando cada vez mais comum para o resto do mundo, transpondo as barreiras e invadindo as terras tropicais.
O motivo de sua popularização não é um grande segredo. O medo e o antagonismo são inerentes a parte sombra da psique humana.
Não importa se abrigado contra as gélidas noites do norte europeu, ou se embalado nas cantorias latinas, a figura do mal punitivo, do demônio-juiz, rasteja por nossas mentes e se senta ao nosso lado na mesa, mesma na mais “sagrada noite do ano”. Você se comportou esse ano?
Bibliografia:
Livros
RIDENOUR, Al. The Krampus and the Old, Dark Christmas: Roots and Rebirth of the Folkloric Devil. Feral House, 2016.
Sites
POCOCK, Jenn. “Naughty and Nice: Krampusnacht”. National Geographic, 4 Dec. 2014, https://www.nationalgeographic.com/travel/article/naughty-and-nice-krampusnacht
TIKKANEN, Amy. “Krampus”. Encyclopedia Britannica, 8 Sep. 2020, https://www.britannica.com/topic/Krampus. Accessed 27 December 2021.
ZARKA, Dr. Emily. “Krampus: Origins of the Yuletide Monster”, 15 Dec, 2021, https:// www.youtube.com/watch?v=tuSrajd9D8k
Por TÁBATHA GAGLIERA