CONTOS E MINICONTOS – A descoberta da infinitude por Samuel Salgado

CONTOS E MINICONTOS – A descoberta da infinitude por Samuel Salgado

 O seleiro estava completamente abandonado. Poeira a cobrir todos os utensílios de trabalho, quase não se via nada.
Jonas, como de costume, brincava no grande quintal da casa e, peculiarmente intuitivo, resolve adentrar ao seleiro em busca de aventuras novas.

 Revira aquele imenso cômodo abandonado da propriedade. Na parede lateral de madeira, sob o que parecia ser uma velha chibanca enferrujada e empoeirada, encontra o exemplar daquilo que achava ser um livro.

 Jonas era a aventura em forma de criança, curiosidade era o seu sobrenome. Pega o exemplar, remove toda a poeira que se depositou sobre a capa de couro avermelhado e passa a admirar o conteúdo, saboreando o novo achado.

 Ainda não tivera nada parecido em suas mãos, um grande número de imagens ilustrativas e informações acerca dos mais diversos temas. Retira-se do seleiro buscando uma iluminação mais apropriada, encaminha-se para a varanda da casa, seu local predileto para divagações, e passa o restante da tarde compenetrado naquele “livro”.

 Com imensa ligação com seu irmão Juarez, o menino não via a hora de ele chegar para lhe mostrar a novidade. A ansiedade aumenta com o passar dos minutos e eis que surge na ponta do terreiro o irmão tão aguardado. Jonas percebe a chegada e sai em alta velocidade ao encontro dele.

 Juarez, sempre gentil e carinhoso com o caçula, estranha a euforia e o questiona sobre o atípico comportamento. De imediato ele mostra o que tem na mão. Para surpresa do caçula, ao ver o exemplar, o irmão instantaneamente sente um calafrio a percorrer todo seu corpo, um arrepio gelado na coluna, suas pernas fraquejam e sua visão se turva. Juarez percebe o abalo inesperado que sofrera e se esforça para recompor-se rapidamente. Jonas estranha o ocorrido com o irmão. Nunca o vira dessa maneira, era sempre tão equilibrado e saudável. Juarez percebe a reação de Jonas e o tranquiliza dizendo que foi apenas um mal súbito e que já voltara à normalidade.

 Em uma das férias de fim de ano, anos atrás, conheceu uma moça que há muito já conhecia, apenas não sabia quando e em que época fora. Daquele instante em diante passaram a se conhecer mais intimamente, se reconhecendo um no outro. Na linguagem dos verdadeiros apaixonados: o grande e verdadeiro amor. Reencontro de duas almas. A história de suas vidas possui um tão raro e belo enredo que se fazem necessários capítulos a parte para descrevê-lo com exatidão.

 Juarez ao ver o exemplar que o irmão chamou de livro, pega-o em suas mãos e uma avalanche de lembranças lhe vem a memória. Na verdade, o que chamava de livro, era um dos exemplares de uma extensa enciclopédia. O exemplar em questão era um dos volumes que o jovem moço não se lembrava de onde o guardara. Procurou incessante e insistentemente por semanas, o volume número seis da respeitável Koogan Houaiss. Até que chegou a se conformar com a ideia do extravio do maravilhoso presente que recebera da inesquecível e eterna amada.

 Agradece a por querer lhe mostrar o improvável achado, explica para o caçula do que se tratava aquele volume e enquanto conversa com o irmão, nova lembrança surge de forma incontrolável. Encaminha para o interior da casa, o agradece mais uma vez e pede para ficar com o volume, pois poderia haver algo dentro do livro que o pertencia.

 Com os olhos úmidos e o peito ofegante aperta o passo, dirigindo-se ao seu quarto, tranca a porta, recolhe-se em silêncio e passa a folhear apressadamente o presente balsamizaste que se extraviara. Enfim encontra o que por tempos procurara: a folha de papel com os escritos da amada. Imediata viagem ao tempo acontece. O filme transcorre na tela mental. Lembrou-se de quando viu pela primeira vez a letra da moça, dia inesquecível em sua vida. Era um desejo secreto conhecer os contornos da sua caligrafia. Sabia que já tinha visto aquela letra perfeita em alguma época do tempo. Letra forte, de punho firme, forma rebuscada. Recosta-se na cadeira e se põe, calmamente, a ler a missiva:

 “O tamanho do nosso vazio existencial é proporcional à limitação do nosso crescimento e evolução espiritual.
 Não é possível plantar flores neste vazio. Só auscultando os ecos que escapam da nossa natureza inconsciente é que podemos reconhecer de que é feito esse vazio.

 Somente escarificando as feridas podemos reconstituir o ferimento e aplacar a dor. A alma, então, primeiro se tinge de rubro e de dor para, só depois, conseguir brilhar.”

 Ao término da leitura, pensa o rapaz como se estivesse no altar da mais bela catedral:
 Você é a mais bela, completa e admirável enciclopédia, eu sou o seu leitor mais atento.

Por SAMUEL SALGADO

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