CONTOS E MINICONTOS – Gotas d’água por Maiza Dutra Pereira

CONTOS E MINICONTOS – Gotas d’água por Maiza Dutra Pereira

As 15h:30min a D. Marluce estava sentada num banquinho em frente a sua casa, o Sr. João achou estranho, pois aquilo não era comum.

 – Ora, D. Marluce, aqui a essa hora?

 – Sim, não ando bem?

 – O que passa? Quer um chá?

 – Não.

 – E o que sente? Quer ir ao médico?

 – Muito menos.

 – Quão ríspida você está. O que houve, mulher?

 – Estou refletindo…

 – Ora, compartilhe.

 – Um mundo? Como compartilhar emoções? Descrevendo-as? Você vai sentir o que vivo?

 – Nossa, eu, eu, eu, eu achei que fosse algo simples.

 – E é, basta ter as próprias reflexões. Quem é você? Se conhece? Você anda sempre com pressa, no automático “quer um chá”, “quer remédio”… Quero conversar. Mas não compartilhar as minhas reflexões, pois são minhas. Você não as entenderão como eu. Sabe aquela torneira pingando gotas d’água? A minha reflexão surgiu daí.

 – De uma torneira mal fechada, D. Marluce?

 – Não, de uma torneira entreaberta. Isso não lembra um ciclo mal fechado? Um luto mal vivido? Um sofrimento interrompido? As pessoas sangram gota por gota a cada vez que não trancam as suas torneiras, ou melhor, a cada vez que não fecham os ciclos, pois não sofre tudo de vez. A melhor coisa que já fiz foi fechar os meus ciclos, chorei feito criança, mas hoje me sinto mais livre. Mas confesso que ainda há um, um único ciclo que não fechei, é a única torneira que deixo vazar sofrimentos.

 – E por que não o fecha?

 – Não sei se ainda posso.

 – Vai deixar a caixa esvaziar?

 – Olhe, você já entrou em minhas reflexões.

 – Sim. Mas você não respondeu… Vai deixar esvaziar a caixa ou fechar a torneira?

 – Acha mesmo que devo mexer numa torneira muito antiga? E se ao tentar fechar ela se quebrar?

 – Derramará a água toda de vez. Isso não é fechar ciclo?

 – Não. Isso será derramar todas as forças.

 – Mas olhe a grama… Vai continuar a deixando encharcar assim?

 – Tem razão. Ou salvo a grama ou salvo a água…

– Salve o que não pode perder. Salve a ti mesma.

Por MAIZA DUTRA PEREIRA

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