CONTOS E MINICONTOS Pinceladas de uma intimidade liberta por Renato Cresppo

CONTOS E MINICONTOS Pinceladas de uma intimidade liberta por Renato Cresppo

Soprando os sopros de fumaça de uma Fortuna, “um tabaco espanhol” razoavelmente agradável, encontro-me sentado em um dos degraus da Astra Theater Bellaria, e enquanto apago a guimba no degrau inferior, ouço os sinos que anunciam o início de mais uma das suas sessões. O som transporta-me a um destes dias, em que seguia no trem da linha Ferrara-Rimini, batia a noite o seu turno. A composição parou na Estação Bellaria. Dela, saiu uma jovem de cabelo encaracolado, blusa esverdeada e calça jeans. Parou defronte de uma das janelas do trem e, com o olhar inundado de tristeza, enviava, com as pontas dos dedos, beijos soltos de saudades súbitas, a saltitarem de frescuras imensas. Sem que pudesse evitar, fui contagiado pela tristeza e embalsamei, no meu olhar, Cupidos do tempo em que amei amores que não sei.
A separação denotava desejos de uma união que se fortalecia na coragem de viver cada minuto, cada segundo, os pequenos e eternos prazeres de abraçar os abraços da ternura e de beijar os beijos das suas intimidades. Só se avalia um adeus quando as portas de uma despedida se abrem à solidão do silêncio. Parte-se para um destino concreto, embrulhado em palavras de segredos e mistérios que acondicionam o regresso ao parque dos sonhos que nascem e reconfortam o corpo entre os lençóis de uma ausência, de uma distância imaginária que, em um dia qualquer, levantará o nevoeiro que paira sobre a fluidez de uma chama amante que amanhece ao entardecer.
Estas sequências de uma peça de teatro que se repetem em muitas sessões, são, inúmeras vezes, pausas de um tempo que escapam aos seus enquadramentos, ameaçando as debilidades da sensibilidade amorosa, com a secura de paisagens que amolecem em transições de luz baixa, transcendendo as realidades com os subúrbios dos esquecimentos, dos abandonos que ferem e desarmam todo um futuro que, subitamente, é passado.
O trem reacendeu a sua circulação e, com ele, recomeçou o ciclo das vidas dos que nele ficaram. Observei a agilidade do tempo que, no seu bojo, transporta milhares de atores que representam o seu papel neste grande palco da vida, que veste o universo com as partículas da nossa bioeletricidade.
Somos amantes, amados ou não, porque esse é o ritmo do nosso coração.

Por RENATO CRESPPO

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