CRÔNICAS – 1⁄86400 do dia por Joaquim Cesário de Mello

CRÔNICAS – 1⁄86400 do dia por Joaquim Cesário de Mello

 Eu nunca vi um segundo. Os segundos são muito rápidos, bastante velozes e tão ligeiros. Toda vez que tento olhar um segundo, nem que seja por um segundo, já estou um segundo atrasado. Segundos não foram feitos para serem contemplados.

 Os minutos, contudo, não. Minutos podem ser notados, contados e divisados. Basta olhar o relógio e lá está um minuto por um minuto parado. No andar dos ponteiros, o segundo é o tempo inquieto, movente e agitado.

 Também se pode avistar as horas. Elas, todas as horas, estão sempre na mesma hora e no mesmo horário. Já o dia não se encontra nos mostradores contáveis dos relógios. Não há relógio no mundo que nos mostre o dia, pois os dias são vislumbráveis na metamorfose colorida do céu, que todos os dias se move por sobre a cabeça dos campos, dos desertos e das cidades.

 Os anos, por sua vez, têm seu lugar e espaço no interior dos calendários, e quando, de ano em ano, comemora-se algum aniversário. Porém, nunca conheci alguém celebrando ou festejando os aniversários dos segundos. Parece até que os segundos não têm natalício, ou sequer por algum tempo foram gerados. Mas os segundos, como tudo na vida, em um instante nasce, vive, envelhece e morre.

 Nunca fui ao batizado e ao enterro dos segundos. Já frequentei inúmeros velórios e funerais. Em alguns fiquei poucos minutos. Outros mais de uma hora. Os dos meus pais se iniciaram na noite do dia anterior e eles foram sepultados na tarde do dia seguinte. Não creio que existam exéquias que durem apenas um segundo.

 Apesar disso não existiria o tempo se não houvesse os segundos. Sem eles o ponteiro do minuto não andaria e, assim, as horas também não. Sem as horas o que seria dos dias? E na ausência dos dias também não teríamos as datas e os anos. E na falta dos anos como iríamos celebrizar aniversários? Já pensou se casar com uma pessoa sem saber a idade que ela tem? E como iria, então, saber se posso tirar a carteira de motorista, votar, ser maior de idade, aposentar por tempo de serviço e tirar meu adesivo de idoso para colocar no carro? O mundo ia ficar mais confuso do é e já está. E tudo ia virar de cabeça para baixo. E o tempo da vida ia ficar bagunçado.

 Não! Embora não vejamos o segundo passar, ele é por demais necessário. Dizem, até que em média um adulto inala e exala o ar em quatro/cinco segundos por vez. Usain Bolt, por outro lado, quebrou o recorde mundial dos 100 metros com 9,58 segundos.

 Se alguém por aí encontrar um dos meus mais de um bilhão de segundos vividos, favor me devolver. Você pode me localizar um segundo depois de passar pelo primeiro minuto, que fica no quarto da hora que está no meio do dia, no fim do corredor do ano, dobrando à esquerda da terceira década e indo até o século passado no décimo-quarto dia do penúltimo mês do calendário anual onde comemoro mais um aniversário

Por JOAQUIM CESÁRIO DE MELLO

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