Ontem uma mãe ligou-me doando um colchão velho, de um pai ‘In Memorian’,seu antigo marido. Refleti a vida nisto:
Um idoso doa um colchão velho, um velho colchão doa idoso.
O pai ‘In memorian’ não ocupa colchão vivo; qual a memória do colchão, tendo recebido pressão deste então, jovem casal de idosos?
O idoso, ‘in memorian,’ já descansado dorme ainda, enquanto a mãe idosa repousa hoje em colchão novo, sem memória!
Sua memória não sonha o hoje, nanobstante, o hoje idoso, sonha sua memória jovem.
A idosa não dorme, e a insônia troca o travesseiro por ouvidos; quem dera houvesse ouvidos em seus travesseiros…, ouvindo as falas das esperas pelos sonos.
Dói fundo nas entranhas de painas. Choram dentro penas de ganso; pede-se doações de espumas em flocos macios, de algodão-doce que façam carícias, alisando, na alusão aos rostos de seda amassada.
Quem tem colo para idosos e ouvidos para velhos amores?
Da vida os ‘atores’?
Sensíveis lírios de amores tantos, que ocupam colchões nos campos dos tempos.
Hoje, vendem mais caro colchões que não guardam memória dos corpos, mas não há preço a pagar pela alma dos colchões.
Coreografando, o colchão concebe movimentos corporais dançados no amor, executados por alguém em uma cena da vida, ânimas no espetáculo da existência!
Por RUTE ELLA DOMINICI