Oh Arara colorida
Por favor, traga de volta as cores
Por favor, nos banhe de fónly
Outra vez partiste
A chuva fria entristecendo os lares
Fazendo chorar os pesares
Oh Arara colorida
Brilhe seus raios mais fortes
Faça-se arco-íris do sul ao norte
Na quarta noite mais fria de salém uma jovem filha de fazendeiros não conseguia dormir, sua mente vagava para tempos antigos, que não se lembrava. Tudo estava destruído e era carregada por seu pai. Sentiu medo, dor, tristeza, mas não conseguia se mover, nem falar.
Quando a chuva ficou tão severa que precisaram reforçar as janelas com madeira e arrastar os móveis para perto da porta, rezando para que a plantação aguentasse firme, Mirysa sentiu que algo muito ruim aconteceria. Odiava esses presságios, nunca vinham claros, tão pouco conseguia decifrá-los, restando a angústia sufocante que perdurava dias. Na maioria das vezes eram problemas sanáveis, voltados a fazenda, mas naquela noite sentiu algo intenso, como a força de um furacão, tomando conta de Ioverlar.
Nunca tinha visto uma tempestade como aquela, com ventos furiosos, chuva raivosa, água aos montes. Acreditou que o deserto viraria uma floresta enorme, tamanha a quantidade de água que caía do céu; costumava gostar de banhar-se na chuva, correr pela lama deixando os pingos a ensoparem, abraçando aquela benção divina, que a energizava, mas o choro dos céus era agourento, ruim, amaldiçoado. Sentia que alguém tinha entristecido a natureza, contaminado os céus e não conseguia se sentir em paz enquanto o sol não voltasse.
— Ainda acordada, Mirysa?
— Ahm? — seus pensamentos saíram dos devaneios para encarar a mulher apoiada na entrada da sala, o corpo embrulhado em camisolas e mantas, os cabelos cheios ao redor de seu corpo como uma juba magnífica.
— Vá dormir, amanhã teremos muito trabalho para limpar as varandas depois de um temporal como este.
— Não consigo dormir, Tay. — respondeu sincera, quase pidona.
— Ora, por quê? Não vá me dizer que é pelo tal de Lucas, o filho do vizinho. Já disse que consegue arranjar rapaz melhor.
— Não, não, já nem nos falamos mais. — corou violentamente. — Não é por ele, nem por ninguém, é por causa da chuva. — confessou pesarosa.
— Mas é só água caindo do céu, My, vai passar já.
— Eu sei… Mas…
— Mas teve outra daqueles sonhos ruins e está se importunando com os significados. — Taeny respondeu exata, como ela conseguia ler seus pensamentos? Nem magia possuía no sangue, mas sabia exatamente o que passava em sua cabeça. Será que era tão tola assim? Tão fácil de decifrar?
— Venha, vou lhe ajudar a dormir, venha deitar.
Mirysa se levantou rapidamente, aceitando a mão que Tay estendia e a apertando carinhosamente. Sorriu, era incrível como ela pequenina, já passava e muito a altura da mãe de criação, mas sempre se sentiu menor do que ela, principalmente quando estava com raiva e fazia todos da casa obedecerem sem pestanejar. Era o reflexo dos espíritos fortes, parecerem grandes, se perguntava se um dia seria tão imponente quanto Taeny.
“Quando souber encarar meus medos e esquecer a timidez, pode ser que isso aconteça”.
Caminharam silenciosas até seu quarto, Mirysa adentrou primeiro, se deitando na cama baixa e enfiando os pés nos lençóis, Tay se sentou ao seu lado, cruzando as pernas e a afagando os cabelos.
— Existe uma história em Spenyn de que Kala, a deusa da fertilidade, estava triste e depressiva com a longa tayra que se estendeu sobre Ioverlar. No sul tayra sempre significa chuva e o período que as plantas ganham corpo, nutrientes e força, levando os spenienses para suas varandas, oferecer bolinhos de feijão frito pedindo que seus solos permaneçam férteis. Mas, por longos anos, tayra era a única estação que perdurava, ciumenta e possessiva, levando para longe a chegada de nanunt. A chuva destruiu as plantações, espantou os animais, inundou as ruas, trouxe a verdadeira devastação para o sul. Muitos morreram naqueles tempos, reduzindo-nos a quase nada.
“Kala, angustiada em ver seu povo morrendo daquela maneira, juntou os deuses em um pedido para interferir, usar seus poderes e afastar aquelas chuvas horríveis. Kanum disse que ela tinha de dar toques indiretos, Amohant falou que era proibido interferir nos ciclos, Orl, dissimulado, falou que se fosse para interferir que descesse a terra e demonstrasse aos seus como afastar tayra.
Muitas discussões se sucederam a respeito, então os anos foram passando e Kala continuou assistindo seu povo morrer. Até que a dor foi grande demais, estava declinada a descer, se mostrar e executar um milagre diante de todos, mas hesitava. Se um deus põe a mão na ordem humana, consequência severas acontecem, Kala não queria causar mais confusão, principalmente se sua mão estivesse envolvida.
Assim, pensou, pensou, espremeu as ideias até surgir uma luz. Kala foi surpreendida pela solução, sabia como interferir sem causar um mal maior aos seus. Sorridente, adentrou a forja de Kanum, cheia de charme e pedidos, se debruçando na mesa do deus, sussurrando para que ele fizesse uma arara bem colorida para ela. Kanum, que não resistia às suplicas da amante, se prontificou em criar a tal arara, fazendo-a com um pedaço de cada gema, tornando-a tão colorida quanto podia.
Demorou duas longas luas cheias e ele a entregou a arara pedindo que ela dormisse ao seu lado naquela noite, que queria mais uma criança. Kala, que sabia que ele retrucaria com esse pedido, se deitou com Kanum de bom grado e enquanto os dois gemiam e se abraçavam no puro amor e prazer, ela usou a semente de Kanum em seu ventre para dar vida a arara brilhosa.
No amanhecer do dia seguinte Kala deixou Kanum adormecido em sua enorme cama, ainda despida e cheirando a coito, tomou a arara recém-nascida nas mãos e a beijou o topo da cabeça, aplicando sua magia, tornando a arara adulta, mas com uma aparência levemente diferente das demais araras viventes. Feliz por encarar um ser tão incrivelmente lindo, nascido de seu ventre e abençoado pela semente de Kanum, Kala se aproximou dos portões do reino divino, abriu uma brecha pequenina e por ela passou a arara, sussurrando seu nome:
Arco-Íris…
A Arara Arco-Íris desceu do céu como um raio colorido, abrindo espaço entre as nuvens, afastando todas de uma vez, deixando o sol despertar e aparecer.
Dizem que o brilho da Arara Arco-Íris era tamanho que inundou Ioverlar com todas as cores de sua enorme cauda. Ela passava espalhando nanunt, trazendo calor e o sol nas costas. Cada raio que tocava suas penas refletia no céu a constelação de cores, formando arcos belíssimos a cada curva de seu voo. Sendo assim, nasceram os arco-íris e é por essa razão que eles sempre surgem no final das chuvas.”
Mirysa já dormia quando a história chegou ao fim, o coração encantado, a mente cheia de fantasia e seus sonhos vieram doces e belos como a tal arara de Kala.
A primeira cor que pintou o céu de seu sonho foi de um lilás claro belíssimo, banhando-a de felicidade.
Por G.M. RHAEKYRION