Dicas para a criação de uma narrativa

Dicas para a criação de uma narrativa

 Como artista, sei que nem sempre é fácil gerenciar a própria carreira e produzir conteúdo digitalmente. Somos bombardeados de informações, desde política até gatinhos fofos brincando com um novelo de lã.
Como fazer com o que os conteúdos que aparecem aleatoriamente, possam ser de alguma maneira, produtivos para a criatividade? Essa resposta nem sempre parece ser tão simples assim, pois o algorítmo parece nos deixar entranhados em conteúdos repetitivos. E parece difícil se desatrelar de certos vídeos e fotos que parecem se repetir incansavelmente.

 Conteúdos com discuros polarizados tendem a ter uma maior repercurssão nas mídias, fator também retratado no documentário Dilema das Redes (2020). A trama central se desenrola no escadaloso caso em que o Facebook vendeu dados para o partido dos republicianos nos Estado Unidos, para que eleitores indecisos se tornassem possíveis eleitores de Donald Trump, após serem bombardeados de notícias tendenciosas e fake news.. Assim a internet e quais as informações que chegam para cada pessoa, acabam por influenciar nas opiniões e visões de mundo dela. Então se somos o que comemos, somos também o conteúdo que consumimos na internet.

 Eu, particularmente, procuro acompanhar artistas independentes para compreender o que está sendo produzido de novo e também para apoiar a arte local. Cito o canal de Youtube chamado Cinema sem Limites, apresentado e criado pelo pesquisador e professor Carlos Santana, pois é um bom exemplo de como a plataforma pode ser utilizada em prol de um conteúdo bem fundamentado e ao mesmo tempo de divulgação para novos artistas. O viés deste canal está pautado em cinema e filosofia, o que em incita, na própria base o pensamento crítico.

 Questionar o mundo que nos cerca é um fator importante na parte da criação. O mastigado, pronto, enlatado que recebemos diariamente podem nos levar a sempre consumir as mesmas coisas, andar pelos mesmos caminhos, comer o mesmo tipo de comida, estamos acomodados ou tememos pelo desconhecido? Ao falar em enlatado, não pude deixar de lembrar da arte de Andy Warhol (1928-1987), que replicativa produtos de consumo milhares de vezes, como uma crítica ao próprio sistema capitalista. Por vezes parece que a timeline do Instagram pode ser tornar uma cópia estranha e bem menos criativa do que Warhol abordava em suas pinturas.

 O aplicativo Pinterest me auxilia muito na criação de novas poesias e no brainstorm de novos roteiros e conceitos visuais. Mas o que pode funcionar para mim, não necessariamente funciona para todo mundo. Como ser genuíno, criativo e peculiar quando tudo parece já existir no mundo? Acredito que a arte está além do entretenimento, de fórmulas prontas de sucesso. O caminho é peculiar e particular para cada artista, porque o processo criativo não pode vir apenas com técnicas, ele precisa de alma. Alma é o que nos afeta, o que nos toca. Siga páginas que te inspiram de alguma maneira, se inscreva em canais interessantes, acesse conteúdos que agreguem no processo criativo. Feito esta breve reflexão sobre o que consumimos na internet e como isto influencia no processo artístico, venho dar algumas dicas na criação de uma narrativa.

 As histórias são contadas ao longo da humanidade, desde que sabemos da existência dela. Entre elas existem os mitos, que são narrativas de cunho religioso, mitológico. Já as fábulas trazem uma moral edificante no final, elas pretendem ensinar algo para quem a escuta ou lê. As lendas contam sobre locais reais e personagens históricas, deixando um dúvida se elas existiram de fato ou não. Temos ainda os contos de fadas, que acontecem em um local desconhecido em um tempo também desconhecido, onde o final é sempre feliz! Independente da cultura, religião e espaço-tempo, as histórias estão presentes para refletir, ensinar e partilhar conhecimentos com quem as desfruta.

 O Primeiro passo para criar uma narrativa é pensar em personagens instigantes: quais os objetivos dele e o que o impedem de conseguir estes mesmos objetivos? Um caso interessante é aquele que possui conflito e personagens em conflito. Não precisa ir muito longe do que é conhecido e cotidiano. Muitas vivências do meu cotidiano e principalmente da minha própria personalidade entram como características dos personagens. O que essa personagem quer, que habilidades ela tem, o que ela precisa aprender ao longo da história?

 Uma narrativa possui cinco pontos dentro dela: o primeiro consiste em apresentar este mundo, como ele funciona dentro da sua normalidade? O segundo ponto é quando algo acontece que tira este mundo do equlíbrio antes apresentado. O terceiro ponto, possui relação com o segundo, onde o evento pertubador é maior do que se espera. O quarto ponto é o momento da história em que a personagem principal precisa adquirar forças, mudar os planos de alguma forma para superar o obstáculo final. Por último e quinto lugar, existe a conclusão da narrativa, o desfecho final. É um final feliz ou um final trágico? Como a história acaba?

Vou dar um exemplo mais conhecido:

 1. Uma jovem inocente chamada Chapeuzinho Vermelho mora em uma floresta com a mãe. (Veja que aqui foi apresentada a protagonista da história e dada uma característica dela que influenciará na história, assim como o local que ela vive).

 2. A avó de Chapeuzinho Vermelho fica doente e sua mãe pede para que ela leve os doces pela floresta. A mãe da jovem é específica e pede para que ela não fale com estranhos (Neste ponto acontece a doença da avó, que tira a normalidade daquele mundo. Chapeuzinho precisa também seguir o conselho da mãe para ser bem sucedida na missão).

 3. Chapeuzinho Vermelho encontra o lobo no meio do caminho e conta para onde está indo, não respeitando os conselhos da mãe. (Neste ponto da história vemos que a missão não será tão fácil quanto o pensado anteriormente).

 4. Chapeuzinho Vermelho chega na casa da avó e percebe que algo de muito estranho aconteceu com ela. Pergunta sobre os seus olhos, orelhas, nariz e finalmente sobre a sua boca! A suposta avó revela ser, na verdade, o lobo da floresta. (Quando a missão parece ter sido bem sucedida, eis que vemos o ponto de virada dela. Ainda há mais uma batalha a ser lutada!);

 5. Quando o fim da pobre garota parece ter sido traçado, um caçador aparece matando o lobo e retirando a avó da barriga. (Nesta parte temos o desfecho da narrativa, neste caso positivo).

 É importante pensar nesses pontos na criação de uma história. Cada cena, cada capítulo precisa ter estes cinco pontos bem amarrados. Qual o local ou locais que a narrativa se passa? Quem age de maneira contrária ao protagonista? Quem auxilia o protagonista com conselhos sábios? São também personagens que podem estar presentes dentro da trama. Chapeuzinho Vermelho, por possuir um desfecho feliz é uma narrativa de heroína, sendo assim, uma narrativa clássica. As narrativas modernas como a do filme Coringa (2019) são narrativas de anti-herói e possuem um desfecho trágico. Já as tramas contemporâneas mesclam essas duas estruturas e são chamadas de pós-dramáticas.

 Esses pontos estão presentes na vida e nas narrativas, sendo possível de os observar em diferentes circunstâncias, desde rolando o dedo no feed até assistindo ou lendo uma obra complexa. Essas são algumas ferramentas técnicas que auxiliam no desenvolvimento de uma narrativa, mas não garantem a concretização de uma boa história. Já que para isto, é preciso consumir conteúdos interessantes e questionar o mundo em nossa volta.

Por ANANDA SCARAVELLI

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