Nestes nossos dias, na nossa sociedade, tenta-se agradar ao público independentemente do custo. A arte, seja ela de qual natureza for, perdeu o seu espaço para as ditas “criações” comerciais. Hoje escrevo sobre a arte de um modo geral, mas, especificamente sobre a música.
Há tempos uma grande confusão permeia o dito universo artístico. Boa parte das pessoas acaba por confundir arte com entretenimento. Não obstante haja muita arte no entretenimento, a recíproca nem sempre é verdadeira. Não são raros os casos em que as palavras “arte” e “artista” são usadas como substantivo e adjetivo para produções e pessoas que nada tem a ver com arte. As grandes produções do entretenimento – geralmente financiadas por empresários, empresas e até mesmo pelo erário – são moldadas de modo a criar uma atmosfera estéril, a qual não oferece nada de novo, nenhuma criação ou arte propriamente dita; o escopo final é meramente o de entreter o público e vender o produto.
Porém, diferentemente do que grande parte deste público pode imaginar, é que para que estes funcionários do entretenimento tão erroneamente chamados de “artistas” possam alcançar o sucesso, o dinheiro e a fama, é preciso acima de tudo que estes mesmos estejam em consonância com o seu patrocinador, agente, empresário e etc. Isso quer dizer que raramente há imparcialidade ou criatividade.
É empurrado ao público, que acredita de fato gostar do show, o mais baixo nível de ‘advertisement’ para a venda do produto, apelando muitas vezes para elementos que nada tem a ver com arte para tal.
Não são raros os “artistas” que abusam da sensualidade, da sexualidade e da polêmica para estarem em evidência, e, então, venderem o produto. E sim, embora a arte possua vastíssimo campo para estas mesmas áreas de expressão, quando o objetivo final e o pensamento criativo deixam de ser o cerne da produção artística, um vazio bem apresentado em tons de esplendor toma o espaço da arte para as figuras-propaganda com os fins meramente comerciais que suas respectivas marcas, muitas vezes subliminarmente, desejam empreender.
Arte é criação e expressão.
Há esquemas, há modelos específicos de como a música deve ser, sobre como a sensação deve ser, como a apresentação deve ser – para que possa ser inteligível, a fórmula funciona. Todos conhecem a fórmula; eles criaram a fórmula e a fórmula funciona, mas não tem nada a ver com a expressão verdadeira, não há a verdadeira sensação de liberdade criativa.
No universo das egocêntricas redes sociais que preconizam a imagem e o ‘life-style’ em seus suntuosos filtros, anúncios patrocinados e algoritmos permeados por luxo e ostentação, a idealização do que é arte rompe pelos caminhos do despautério. Nas entrelinhas o objetivo é único – a propaganda.
Conquanto não caiba a ninguém julgar a obra de um determinado artista, é imperativo o discernimento quanto ao que se trata de arte e o que não. Como na máxima “saber o que não se quer, é fundamental para descobrir o verdadeiro querer”.
Não intento com este artigo uma discussão frívola acerca da obra deste ou daquele artista, nem sobre os artistas em si, tampouco tenho a audácia de tentar definir o que é arte. Também não quero propor uma discussão subjetiva de que determinada obra é arte em detrimento de uma outra; o escopo aqui é bem diferente – um questionamento sobre o que está por trás de tudo aquilo que nos é apresentado pelas grandes e, hoje, multifacetadas mídias e seus interesses corporativos, econômicos, ideológicos e etc.
Para o artista, o objetivo final, é, justamente o de se expressar através da sua criação. Arte de artesãos, artistas de rua, artistas plásticos, de músicos, escritores e poetas independentes, demonstram não somente suas criações e dedicação à arte como também sua isenção, autonomia e liberdade criativa, sem estar à mando deste ou daquele patrocinador.
A arte independente propõe ao público uma visão livre de amarras; criações libertas de moldes e, acima de tudo, o rompimento com paradigmas midiáticos, ideológicos e empresariais. E é claro que isso tem um preço.
Por isso, o artista buscar reconhecimento, financiamento e/ou retorno financeiro com sua arte, com seu trabalho, não está em cheque aqui; mais uma vez, e, uma vez mais, é sobre “ser o dono da voz e não falar com a voz do dono”.
A fluidez e a improvisação da vida até podem ser moldadas, mas não sem se perder algo
– se perde a mágica.
É só através da regressão ao básico, ao simples, ao fundamental, à essência, é que compreendemos o verdadeiro e epílogo sentido da música, da arte.
Não é sobre o que dizem que deve ser, é sobre o que é;
Não é sobre o que se supõe estar sentindo, é sobre sentir;
Não é sobre ser o melhor, é sobre ser;
Não é sobre se perder, é sobre se encontrar;
Não é sobre o músico, é sobre a música. A verdadeira harmonia.
Quando se trata de música, é sobre ser um humilde servo da natureza e do universo, ser o intermediário; é o conhecimento, é sobre a pureza e o saber tocar com a alma.
Quando se trata de música, liberdade é de tirar o fôlego; na vida, improvisar é a única saída.
O resto é um nada absoluto.
Este não é um artigo contra a indústria do entretenimento; este é um artigo a favor da arte.
Por Rafael Rossetto Pelissari