MÚSICA – Os Multiversos da Música Indiana: O Raga e o Rasa

MÚSICA – Os Multiversos da Música Indiana: O Raga e o Rasa

Saudações caros(as) leitores(as)!

Vos agradeço imensamente pela leitura e por todo carinho e apoio que recebo através de vossas mensagens. Recebi muitas mensagens acerca de um dos artigos que escrevi aqui para a nossa amada revista na qual eu abordava sobre a música cigana. Muitas pessoas se interessaram pelo tema apresentado, e, para essas, prometo aprofundar ainda mais no universo da arte e cultura cigana em um artigo futuro; outras gostaram da temático de música de gênero em si, me pedindo e/ou sugerindo artigos sobre outras culturas musicais talvez não tão difundidas assim. Eis que ao final do ano passado (2022) me surgiu a ideia de escrever um pouco sobre a música clássica indiana, gênero o qual sou profundamente entusiasta e praticante.

É evidente que escrever sobre a milenar arte musical indiana seria um trabalho para um livro inteiro – e além – e não como matéria para um artigo, tal qual alguns escritores se propuseram a fazer de maneira impecável através de muita pesquisa e dedicação.

No presente artigo vou me limitar em abordar acerca da minha experiência pessoal com a música clássica indiana e dois aspectos intrínsecos desta vasta arte: o Raga e o Rasa. Como propus no título, os ‘multiversos’ da música indiana, foi propositadamente para dar uma leve noção da profundidade e da vastidão desse gênero musical, um dos pilares da música da humanidade.

Fui apresentado ao universo da música indiana, assim como muitos, através dos Beatles, os quais embora não tenham sido os precursores da mistura do pop rock ocidental com elementos da música indiana, foram sim, inquestionavelmente, os que mais colaboraram na difusão de tais elementos musicais no Ocidente. Creio que a primeira música que ouvi com instrumentos indianos tenha sido “Tomorrow never knows” do álbum “Revolver” de 1966. Uma mistura psicodélica com efeitos de gravação e solos de guitarra gravados ao contrário, uma imersão no útero da música universal etérea. Porém, a música símbolo da tradição indiana dentro de um álbum musical ocidental, no caso, um álbum dos Beatles, é “Within You Without You” do álbum “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band” do ano seguinte, 1967. Na sequência, no ano de 1968 a banda faria uma digressão do ocidente em uma viagem de retiro espiritual para Rishikesh, no norte da Índia. Essa viagem por si só já renderia um bom livro, como rendeu bons documentários, mas o foco aqui é outro. Quando me referi que “Within You Without You” é uma música símbolo da tradição indiana, se deve pelo fato de que a música é composta somente por instrumentos indianos, e, sua letra, escrita pelo grandioso George Harrison, reflete em síntese a filosofia Hindu. Harrison que há tempos havia se encontrado junto ao movimento de consciência Krishna, recém chegado à Inglaterra, mergulhou de vez na cultura indiana em todas as suas facetas, e, em especial, na música. A amizade entre Harrison e seu “mestre” de sitar – Ravi Shankar – rendeu inúmeros e valorosos frutos, além de impulsionar a propagação da cultura indiana no Ocidente.

Tal como Harrison, eu também tive o prazer de conhecer um grande mestre do sitar, o fabuloso e iluminado Alberto Marsicano. Marsicano foi um tradutor, poeta e sitarista brasileiro (dentre tantos outros dons e predicados) – o grande difusor da música indiana no Brasil. Nossa amizade também rendeu alguns frutos, um dos quais – um trabalho experimental integrando a música cigana com a música indiana – infelizmente, não foi concretizado devido ao precoce falecimento do mestre Marsicano em 2013.

Mas foi justamente com Marsicano que aprendi os pilares da música vibracional etérea e as noções sobre Raga e Rasa.

Como é sempre muito difícil encontrar traduções para termos que simplesmente fundamentam as noções de culturas orientais – muito pelo fato de que nas tradições orientais raramente há separação entre a filosofia, a arte e a cultura – tentarei explicar o quase inexplicável. Existem coisas que somente sentimos, e assim, já entendemos sem a necessidade de racionalizá-las. É algo complexo para o modo de pensar ocidental, extremamente cartesiano.

De qualquer maneira, vamos lá!

 

Raga e Rasa

 

A música clássica do norte da Índia e os estudos relativos ao som em sua relação com a Ciência, contidos em obras como o Sama Veda¹, podem ser relevantes no campo de investigação das epistemologias ocidentais e, particularmente, no campo das artes, à música e ao teatro. Pátria-mãe do Yoga – um conjunto de práticas e filosofias que pressupõem a existência de uma mente, cuja natureza é o vazio, e de sua relação indissociável com o corpo – a Índia tem por isto algo importante a dizer sobre as noções de tempo e espaço.

Como nenhuma outra tradicional cultural o fez, a Índia vai apresentar ao mundo noções matriciais que afetam diretamente o sentido da escuta como a do Naad – o som enquanto pura vibração, criador e transformador de realidades – do qual emana e para onde retorna toda manifestação; Shruti e Smrti, escuta, revelação e memória, e conceitos estéticos como Raga (drama narrado por melodias) e Rasa (emoção criada pelos movimentos melódicos).

O Raga é um conceito central na música clássica indiana, predominante em sua expressão. Embora seja uma característica marcante e importante da música indiana, uma definição de Raga não pode ser dada em uma ou duas frases. Raga pode ser descrito, aproximadamente para compreensão musical, como uma entidade musical que utiliza entonação de notas, duração relativa e ordem — de maneira similar à como palavras formam frases — para criar uma atmosfera de expressão. Em alguns casos, certas regras são consideradas obrigatórias; em outros, opcionais. O Raga permite flexibilidade: o artista pode depender da simples expressão ou adicionar ornamentações e, ainda assim, expressar a mesma mensagem essencial, evocando, porém, uma diferente intensidade de clima ou espírito. Um Raga não é uma melodia, pois o mesmo Raga pode produzir infinitas melodias; tampouco é uma escala, pois muitos Ragas podem ser utilizados na mesma escala.

¹ Um dos quatro Vedas, os antigos textos sânscritos datados de aproximadamente 1200 anos A.C., contendo as bases do hinduísmo e a sabedoria que vem do som e dos cantos rituais

O objetivo de um Raga e de seu artista é criar o Rasa (essência, sentimento, atmosfera) com música, como a dança clássica indiana faz com as artes cênicas. Na tradição indiana, danças clássicas são realizadas com músicas de vários Ragas.

Um Raga tem um conjunto determinado de notas, organizadas em melodias com temas musicais. Um músico tocando um Raga pode, tradicionalmente, usar apenas estas notas, mas ele é livre para enfatizar ou improvisar certos degraus da escala. A tradição indiana sugere, para cada Raga, uma certa sequência de notas para que a performance crie um Rasa que seja único a cada Raga. Um Raga pode ser escrito numa escala. Teoricamente, milhares de Ragas são possíveis dadas cinco ou mais notas, mas, na prática, a tradição indiana clássica se aperfeiçoou e, tipicamente, depende de várias centenas. A maioria dos artistas possui, em seu repertório básico, de quarenta a cinquenta Ragas. Na música clássica indiana, Raga está intimamente ligado a Tala, ou orientação sobre a “divisão do tempo”, com cada unidade sendo chamada de Matra (batida, e duração entre batidas).

 

Microtonalidade

 

A tradição indiana, diferentemente da música ocidental que é composta por doze notas, sendo sete as chamadas notas naturais da escala principal (dó, ré, mi, fá, sol, lá, si) e cinco “acidentes” ou as também conhecidas como notas sustenidas e/ou bemóis que são o intervalo entre as notas naturais (dó sustenido ou ré bemol, ré sustenido ou mi bemol, fá sustenido ou sol bemol, sol sustenido ou lá bemol e lá sustenido ou si bemol). Dessa forma, o menor intervalo entre notas na música ocidental é a de meio-tom. Na música indiana, por outro lado, a existência de uma escala, um modo, selecionada entre 23 graus (audíveis e exequíveis por instrumentos de corda incluindo a voz), podendo chegar em até 1/32 avos de tom. Os quartos de tom na música da Índia são chamados de Shrutis e só a prática, muitas vezes de uma vida inteira, pode levar o estudante a ouvi-los e executá-los. Uma das definições do termo Shruti é: aquilo que só pode ser revelado pela audição.

Ao músico indiano não importa uma nota mas, sim, seus harmônicos que acontecem no percurso entre um tom e outro, constituindo os semitons e os microtons. 

No ocidente apenas culturas que ainda preservam os cantos rituais, de transmissão oral, ou a produção musical que mescla o popular ao erudito, especialmente aqueles de influência árabe ou cigana, ou ainda as experiências no campo da música contemporânea, podem favorecer a escuta “transformadora” e “reveladora” destes tons e intervalos, seja porque o trazem na memória afetiva, seja porque seus compositores e intérpretes sabem que a arte da música provoca, como nenhuma outra arte, efeitos sobre o cérebro e as emoções.

Em parte, esta abordagem encontra no norte e nordeste brasileiros toda uma cultura vocal e um repertório de canções que são fonte inesgotável de pesquisa no campo das ciências humanas e seguem inspirando músicos, criadores e artistas de diferentes áreas.

 

Aquilo que só pode ser revelado pela audição

 

Como já expressei anteriormente, é muito difícil verbalizar ou colocar em palavras o que é um Raga e a seu respectivo Rasa. Só a experiência extra-sensorial através do som de um Raga é capaz de proporcionar, não uma compreensão mas, uma transcendência através da música.

Assim como toda a tradição indiana, na qual as entrelinhas trazem infinitos conhecimentos muito mais importantes e valiosos que as próprias linhas, na música, as notas não tocadas (mas sentidas) são mais importantes dos que as tocadas. É a vibração que reverbera ecoando por todo nosso corpo, mente e alma. É o ouvir e não simplesmente escutar.

 

Sinestesia: A mistura das sensações

 

Quando falamos em sinestesia, nos referimos à mistura das sensações. A sinestesia é, como figura de linguagem, o recurso estilístico no qual se utilizam palavras e expressões associadas às diferentes sensações percebidas pelo corpo humano (visão, audição, olfato, paladar e tato) para gerar um efeito discursivo.

Os Ragas também nos proporcionam isso, como por exemplo, ouvir uma cor, tatear um sabor, enxergar uma nota e etc.

Há uma infinidade de Ragas, cada um com muitas características, como por exemplo, o momento do dia em que é tocado (manhã, tarde, noite, madrugada), uma emoção específica (amor, paz, alegria…), um sabor (por exemplo, o sabor de uma manga é relacionado ao Raga do crepúsculo, pelas cores da manga lembrarem um fim de tarde), uma cor específica, um chackra específico e etc.

Como pode perceber o(a) nobre leitor(a), o universo que emana de um Raga é tal qual o Cosmos – infinito. Caberiam aqui, muitas outras explicações e definições mas, como já expressei anteriormente, essa experiência extra-sensorial só pode ser revelada pela audição, pela própria experiência em si, portanto deixarei alguns vídeos aqui ao final do artigo para o vosso deleite.  

O primeiro o vídeo é de uma apresentação do grandioso mestre Alberto Marsicano no Encontro da Nova Consciência no ano de 2008.

 

 

O segundo vídeo é um exemplo de um Raga, o Raga da manhã, gravado pelo genial Ravi Shankar.

 

 

O último vídeo é do meu álbum de musicoterapia lançado em 2020, o imerSÃO EUfônica meditaSOM, ou simplesmente SÃO EU SOM.

Um álbum preparado com muito carinho, amor, dedicação e com a verdadeira aplicação da essência da medicina vibracional e as propriedades físicas e metafísicas do SOM e da MÚSICA DE CURA.

Gravado durante sessões terapêuticas e vivências meditativas, o álbum conta com uma vasta gama de instrumentos como flautas ancestrais, tigelas cantantes, cítara indiana (sitar), tanpura, sinos dos ventos, harpa, didgeridoo, violão, sintetizadores e muitos outros, além dos sons da natureza em sua plenitude de cura.

Composto por vinte músicas mas apresentado em uma faixa única, “SÃO EU SOM” tem a proposta de ser ouvida, de ser sentida e experimentada como uma única peça, durante vivências meditativas, jornadas espirituais, meditações individuais ou em grupo, como trilha de fundo para o repouso, durante momentos de estudo, trabalho ou lazer, podendo ser ouvida também com a utilização de fones de ouvido, em estéreo, para um melhor proveito terapêutico das ondas binaurais, dos tons isocrônicos e toda extensão vibracional e de harmônicos.

Uma experiência vibracional de cor e som para a promoção da saúde, do equilíbrio, da serenidade psíquica e emocional, do bem-estar, da paz interior, para restaurar as funcionalidades fisiológicas, bioquímicas e orgânicas, bem como para a regeneração celular e ativação das partículas conscientes de luz e também para harmonizar e afinar os chakras e para integrar nossa tríplice existência – o corpo a mente e a alma.

Espero que apreciem.

Até uma próxima oportunidade!

Abraços fraternais.

Por RAFAEL PELISSARI

 

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