EN DEHORS – Pas De Deux

EN DEHORS – Pas De Deux

 Acabamos de encerrar o mês de junho, onde se situa temporalmente o Dia Internacional do Orgulho Gay (28/6), mês dedicado ao orgulho LGBTQIAP+, em referência à rebelião de Stonewall (NY, 1969), com atenção à emancipação e aceitação de todas as identidades e expressões de gênero. A sigla inclui lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, transgêneros, travestis, queer, intersexos, assexuais, pansexuais, e demais orientações sexuais e identidades de gênero sob o símbolo de soma que representa uma apropriação de sexualidade com característica fluida.

Acolher começa por conhecer. Leia!

 

ENTREVISTA COM 

Gabriel Urbano – paraibano, 22 anos, artista, graduando em arquitetura, gay não binário – sobre o vogue (que ele dança lindamente) e a cultura ballroom, uma forma política e de resistência que acolhe uma diversidade de marginalizados (principalmente travestis e trans).

 

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REVISTA THE BARD Desde quando você dança e como a dança entrou na sua vida?

GABRIEL URBANO Danço desde criança. Apesar de ter uma lembrança muito fraca da minha infância, lembro de festas dos colegas as quais eu ia, ou eventos que tinham música, e eu sempre era o primeiro a chegar e último a sair, porque amava passar a noite inteira dançando. Quando fui crescendo, entendi que isso não era para mim. Assim como várias outras questões relacionadas a quem eu sou, precisei negar a dança como forma de me expressar. Nem foi algo intencional, eu simplesmente entendia que não podia e ponto. Entrei em uma fase complicada de me esconder não só quanto à sexualidade, mas tudo que me fazia eu mesmo, só performava o que achava que o outros esperavam de mim. Isso durou até o fim do ensino médio, quando sai da escola, me assumi gay para a minha família e tentei reconstruir uma relação diferente comigo mesmo e com o mundo. Nessa época, comecei a acompanhar alguns dançarinos através das redes sociais e da minha irmã, que também é dançarina. Assistia a minha irmã se apresentar nos palcos e por vídeos nas redes sociais e isso despertava algo muito verdadeiro em mim. Assim, eu e a dança fomos nos reencontrando aos poucos; foi mais do que algo unilateral. Comecei, em 2018, a praticar fitdance, como uma forma de me envolver com essa energia que me chamava para a dança, e com 6 meses encontrei o Studio K17 onde fiz as minhas primeiras aulas de vários estilos como o stiletto, twerk e hiphop. Desde então tenho me permitido entrar cada vez mais nesse lugar, de onde nunca deveria ter saído, e tenho me encontrado como dançarino e como pessoa dançando a vida.

 

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REVISTA THE BARD O que dançar proporciona de diferente para você que outras formas de arte não são capazes de proporcionar?

GABRIEL URBANO Eu me considero um artista e, dentro deste rótulo, me comunico com diversas formas de expressão artística, inclusive a arquitetura, área na qual faço graduação atualmente. No entanto, a dança é algo muito especial para mim. Tendo me reprimido tanto tempo, negando para mim mesmo a oportunidade de me entender e me expressar, sempre fui muito introspectivo e retraído (e isso também é corporal; isso está na minha forma de me portar fisicamente). A dança me permite explorar esse lugar do que faço com o meu corpo no mundo e quebra uma barreira de introspecção que alimentei a minha vida inteira. Danças como o stiletto e o vogue, que são sobre autoconsciência e empoderamento, me mostraram como eu posso ser confiante e me portar desta forma, me apropriando de quem eu sou. Levo a vida com uma outra postura (de forma literal e figurativa) graças ao que a dança me permite explorar em mim mesmo e no contato artístico com os outros.

 

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REVISTA THE BARD O termo ballroom foi originalmente traduzido como “salão de baile”, mas a cultura ball, desde a década de 60, tem outro significado para o público LGBTQIAP. Como você explica esse movimento e como o conheceu?

GABRIEL URBANO A cultura ballroom é e sempre foi uma cultura periférica e marginalizada. Um dos marcos para o início do movimento foi dado pela abertura da primeira House (Labeija) pela travesti preta Crystal Labeija. Ela toma essa atitude por estar cansada de não ter seus talentos valorizados nos concursos que participava por questões de transfobia e racismo. A cultura ballroom surge então em Nova York nesse contexto, sendo criada por e para pessoas pretas, principalmente trans e travestis, para ser um lugar onde os seus talentos fossem vistos e apreciados. Sendo a vivência dessas pessoas ainda hoje marginalizadas e violentadas, essa memória precisa ser evidenciada sempre que se fala de ballroom. No entanto, a ballroom não é sobre violência e sim sobre acolhimento e talento! Quando fui na minha primeira Ball, isso ficou muito nítido para mim. É um poder indescritível que atravessa os corpos dentro de uma ball. Lembro do impacto que senti quando vi a Amerikana caminhar pela primeira vez nesta ball e mais do que posso falar sobre, sendo um gay não binário e branco, é importante ouvir as vozes de pessoas como ela, uma travesti preta e um grande nome na cena de Belo Horizonte para entender o que é a ballroom. Conheci esse movimento há uns 3 ou 4 anos através das redes sociais, mas como sou paraibano, não tinha uma cena tão bem estabelecida para frequentar, então comecei a frequentar de fato ao me mudar para Belo Horizonte, em 2020.

 

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REVISTA THE BARD Explica para nós o que é uma House e como ela se estrutura? Você faz parte de alguma?

GABRIEL URBANO As pessoas que fundaram a comunidade na década de 60, fizeram isso para lidar com o forte preconceito dirigido aos seus corpos. Esse preconceito violento também causava a expulsão de diversas dessas pessoas de suas casas e das famílias de sangue. As Houses eram formadas então seguindo uma estrutura familiar que acolhia essas pessoas e treinava para competir nas balls, valorizando seus talentos e compartilhando afeto e acolhimento dentro de uma nova família. Até hoje existe essa estrutura, mas com a evolução da sociedade e da cultura, se expandindo pelo mundo e chegando, inclusive ao Brasil, elas perderam ou ganharam significados. Existem as Houses Mainstream, que vem das pioneiras, internacionais, como a Labeija e a Ninja, por exemplo, e as Kiki Houses que são as locais, responsáveis por treinar e acolher pessoas da cena local (da cidade), expandindo essa cena cada vez mais. Não faço parte de nenhuma House Kiki ou Mainstream.

 

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REVISTA THE BARD Agora, sobre o voguing… onde você aprende e por que é tão representativo para a comunidade LGBTQUIAP+?

GABRIEL URBANO Eu aprendi o vogue quando eu nasci. O vogue está em mim independente de eu estar “dançando” ou não. Em uma perfomance deste estilo, mais do que a limpeza dos passos, isso tem que estar presente: “quem é VOCÊ dentro do vogue?”. Fiz minha primeira aula, no entanto, com o Dan Oliveira, um dançarino e ilustrador paraibano com quem comecei a aprender sobre os 5 elementos do vogue femme e que estruturam sua performance: Catwalk, Duckwalk, Hads Performance, Floor Performance e Spins and Dips. Acho que cada membro da comunidade poderia dar uma resposta distinta para a importância do vogue na sua vida, mas para mim foi um lugar de encontro e exploração da minha performance de gênero. Gênero é uma performance através de signos que são assemelhados a este, e no vogue femme, criado pelas mulheres trans, a feminilidade é a chave dos movimentos. Me permitir explorar esse lado do meu corpo me trouxe e traz uma oportunidade de apropriação do meu próprio corpo de uma forma muito mais verdadeira com quem eu sou, e me sinto cada vez mais contemplado e inspirado pelo poder des dançarines que performam sua história através desses 5 elementos. Além do vogue femme existe o Old Way, que foi o primeiro estilo de Vogue inspirado em poses das revistas de moda, e o New Way. Além das categorias de dança, a ball também tem categorias de moda, beleza, lypsinc, entre outras.

 

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REVISTA THE BARD Qual a importância da Ballroom hoje? Você crê que é um ato político?

GABRIEL URBANO Ainda hoje os corpos trans, travestis, pretos, não binários e LGBTQIAP são marginalizados. De acordo com o G1, a expectativa de vida de uma pessoa trans atualmente é de 35 anos e isso é muito violento. Um dos motivos para que isso ainda aconteça é a falta de acesso a esses corpos que são vistos geralmente na prostituição, enquanto os corpos cis brancos estampam capas de revista e protagonizam novelas. Por isso, é importante que esse espaço de acolhimento e valorização de talentos inegáveis que tem chegado a tantos lugares através da ballroom. Desde a música Vogue da Madonna, quando ela apresenta para o mundo inteiro essa comunidade muitas marcas e empresas já enxergam o talento da ballroom e isso só foi possível graças a essa estrutura comunitária que vem lutando para se manter e ser vista. A ballroom é puramente política, resistência, e tem muito a oferecer à sociedade. Apesar do contexto de marginalidade que a formou, a cultura é linda e só tem a acrescentar a quem tiver interesse de conhecer com respeito sua história e o que ela representa.

 

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REVISTA THE BARD Algo mais que queria nos contar? Deixe seu recado.

GABRIEL URBANO A cultura Ballroom é extremamente rica e isso tem sido cada vez mais reconhecido. Isso é muito bom e eu convido todo mundo que queria conhecer a seguir nas redes sociais os perfis de ballroom locais, nacionais e internacionais como o @mgballroom e o @ballroombr , assim como pessoas que são referências na cena que te inspirem, e procurar saber sobre a história e o significado da ballroom, por quem a para quem foi feita!

 

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Por DANIELA LAUBÉ

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