EN DEHORS – Uma breve história de dança

EN DEHORS – Uma breve história de dança

 Em um dia desses, estive na casa da minha mãe e resolvi pegar minha coleção de sapatilhas. Sei que parece estranho, mas eu tinha guardadas as sapatilhas que usei ao longo da vida, sujas, gastas, manchadas dos machucados feitos nos pés. Foi o mesmo que iniciar uma viagem no tempo…

 Minha primeira sapatilha, aos meus oito anos de idade, saltou com meus pés pequeninos ao som de Tritsch-Tratsch-Polka de Johann Strauss, no antigo palco do Teatro Cultura Artística, inaugurado em 8 de março de 1950 com regência da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo por Heitor Villa-Lobos e Camargo Guarnieri, no terreno do antigo Velódromo de São Paulo, primeiro estádio de futebol do país.

 Sua fachada conta com o maior afresco existente do artista Di Cavalcanti (são 48 metros de largura por 8 metros de altura em um lindo mosaico).

 Em agosto de 2008, o teatro foi parcialmente destruído por um incêndio e eu me lembro da tristeza com que vi as labaredas na televisão, já que nos 18 anos de dança que eu tinha à época, havia desfrutado de seus interiores muitas outras vezes. Tombado, o teatro atualmente está em obras de resgate da arquitetura original, com previsão de reabertura ainda em 2022.

 É a partir desse ponto, situado no tempo e no espaço, que proponho uma reflexão sobre quantas artes invadem nosso cotidiano a partir de uma que convidemos a entrar.

 Pelo ballet clássico, minha infância guarda recordações coloridas do mosaico de Di Cavalcanti; meus pés tomaram impulso para giros e saltos no palco que recebeu Villa-Lobos e Guarnieri; eu brinquei de esconder em uma obra arquitetônica tombada e que passa a ser, de certa forma, parte do meu patrimônio histórico-cultural, aquele que ostento entremeado às mais doces lembranças.

 Estive noutros teatros, palcos, cidades… mas fico com esse! Por ser marco de um princípio. E digo isso porque há mais ecos que carregam minhas sapatilhas velhas.

 Sobre elas, dancei. Quando danço carrego uma tal humanidade no corpo que é constituinte do próprio ser humano que conhecemos atualmente.

 Voltemos a falar de origem. Estudos apontam que os primeiros registros da dança como forma de expressão são datados dos remotos idos dos anos 25.000 a 10.000 a.C. aproximadamente. O movimento dançado – observado a partir da natureza – é referencial para o início da comunicação do homem.

 Imagine o homem primitivo, a falta de uma linguagem estruturada como a que temos hoje, mas a comunicação se valendo da via da dança…

 Chamo a atenção a isso: quando um corpo dança, carrega todo esse arcabouço constituinte de si mesmo. Há poesia silenciosa de palavras, eloquente de movimentos, origem latente, ecos de passado, expectativa de futuro. Arte!

 Talvez por isso Paul Auster, escritor norte-americano nascido em 1947, tenha encerrado sua produção poética, seguindo apenas com a prosa, após o êxtase libertador que experimentou ao assistir a um espetáculo de dança. Voltaremos a esse episódio, futuramente, ainda nessa coluna.

     

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Por DANIELA LAUBÉ

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