GRANDES AUTORES – Cores são convites cheios de sutilezas

GRANDES AUTORES – Cores são convites cheios de sutilezas

Eu particularmente amo cores. Nem saberia responder qual a minha favorita. Impossível escolher, não é? São tantas e tão lindas, matizando o nosso dia em roupas e elementos decorativos, livros e cenários de viagem. Quase todas fazem a minha cabeça. Vá lá um marrom triste ou um tom neutro sem graça, aí não uso de jeito nenhum. De resto quase todo o meu vestuário é composto por peças ultra estampadas em infinitas combinações da paleta.

A arte também ama cores. Brinca com elas visceralmente, para dizer, simbolizar, iludir, deleitar ou pedir socorro. Testa, gosta, desgosta, exagera e apaga cores o tempo todo, na pintura, na música, na escultura, na literatura. Exibem-se mais, donas de si, nas expressões visuais, obviamente, mas vibram uma presença toda própria também no silêncio, na escuridão, no corpo. Cor é estímulo, é proposta, é invasão – e desejo passear agora com vocês pelas cores de algumas obras de arte que me seduzem especialmente, para que possamos sentir o seu impacto.

O verde esplendoroso de Claude Monet, em suas inúmeras tonalidades e grossas pinceladas, nos mergulha em águas calmas, relvas acolhedoras e ambientes abundantes de natureza e de aromas, tanto que não consigo não me sentir em casa e passar boas horas no seu jardim, contemplando suas nenúfares. É exatamente o verde campo, o verde equilíbrio, o verde frescor.

Water Lillies, 1919, Claude Monet

 

Mas a flor que compõe o quadro de Marguerite Gautier pelos palcos sociais impregnados de códigos burocráticos, no famoso romance de Alexandre Dumas Filho, é gritantemente vermelha: não é uma camélia do jardim de Monet, é uma camélia de luxúria, de possessão, de fluxo menstrual, de desejo em suspensão. Evoca risco, alerta, paixão, vibrando com mais densidade.

Se levada ao esquadrinhamento abstrato de Mondrian, a mesma cor vermelha imediatamente se destaca por sua oposição ou complementação às outras cores primárias da tela, o amarelo e o azul, e às não cores, o preto e o branco. Na ausência de objetos e contornos orgânicos reconhecíveis aos nossos olhos, vemos tão somente um conjunto conceitual de formas – as próprias cores. Elas se tornam quadrados e retângulos (diante dos quais tantas vezes ouvi serem fáceis de pintar, o que sempre me soou uma grande bobagem).

Tableau n. 2, 1921-25, Piet Mondrian

 

Parece assim não sobrar muito espaço para a exploração das cores aos escultores do bronze. Outro ledo engano, não? O metal, de brilho e coloração específicos, dá vida a uma linda criança vestida de bailarina pela ourivesaria de Edgar Degas. Sua “Bailarina de Catorze Anos” é realista, expressiva em seus raios dourados e acobreados, muito humana (arrisco a dizer que bem mais do que um robô humanoide deste século, com cílios e cabelos sedosos). Originalmente feita em cera adornada com tecidos, causou repulsa em alguns apreciadores em 1881, por justamente fugir de padrões clássicos da estatutária feminina, mas as suas versões em bronze, em réplicas, espalharam-se pelo mundo, consagrando Degas.

La petite danseuse de 14 ans, 1921-31, Edgar Degas

 

O que as tecnologias digitais ajudam mais a fazer é traduzir cores em sons, o que promove a acessibilidade estética. Quem não pode ou não quer ver uma pintura pode, então, ouvi-la, com o uso de programas que reproduzem sons que corresponderiam à simbologia e à vibração presentes na obra; ou mesmo com a audição de uma música que despertaria sensações similares, primando nesse caso por correspondência poética, não técnica. Nessa síntese visual-sonora, ouviríamos o amarelo de Van Gogh e o azul de Picasso, uma experiência imersiva que nos levaria a dois universos melancólicos totalmente distintos, incabíveis numa psicologia superficial de cores que taxa “amarelo” como “energia” e “azul” como “serenidade”. Para mim, são dois artistas muito mais intensos e tristes que isso.

O movimento inverso também é divertido: imaginar qual a cor de uma sinfonia de Beethoven. Me sinto sempre dentro de grandes arcos e grandes fôlegos, essa grandiosidade que parece que vai estourar o nosso peito, a alma. Que cor isso tem, esse ato de tremer dentro?

Talvez uma ainda a ser inventada, como sabiamente fez Ziraldo com a sua cor “flicts”, no livro de mesmo nome.

Que vocês, leitores da The Bard, vivam por aí umas aventuras bem mágicas e coloridas.

Até a próxima!   

Por VANINA SIGRIST

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