MÚSICA – O Jazz

MÚSICA – O Jazz

O JAZZ

 

Saudações caras (as) leitores (as)

Tenho vos trazido ao longo destes quase dois anos, como colunista musical desta nossa amada revista, artigos com diversidades musicais, tanto no tocante a música propriamente dita, quanto no universo quase que ininteligível que aflui da mesma. Nos artigos que escrevi sobre gêneros musicais específicos, recebi um retorno muito gratificante e também algumas sugestões — uma delas, vindo de um querido amigo e leitor da revista, que então me sugeriu escrever um pouco sobre um gênero que permeia o universo musical global — “o jazz”.

Escrever sobre o jazz não é uma das tarefas mais fáceis, muito pela ausência de informações precisas sobre as origens desse gênero, mas também, pelos inúmeros desdobramentos em subgêneros que esse instrumento musical desabrochou. Como o termo “jazz” tem, desde longa data, sido usado para uma grande variedade de estilos, uma definição abrangente que incluísse todas as variações são difíceis de ser encontrada. Enquanto alguns entusiastas de certos tipos de jazz têm colocado definições menos amplas, que excluem outros tipos, que também são habitualmente descritas como “jazz”, os próprios jazzistas são muitas vezes relutantes quanto a definição da música que são executadas. Duke Ellington dizia, “é tudo música”. Alguns críticos têm dito inclusive que a música de Ellington não era de fato jazz, como a sua própria definição. Segundo eles, o jazz não pode ser orquestrado.

Sem muito me alongar nesta introdução, pretendendo passar,  de maneira um pouco mais genérica, acerca desse preciosíssimo estilo musical, começarei esmiuçando sobre as origens do jazz. O jazz além de ser um gênero musical é uma manifestação artístico-musical une diversas culturas que formam a identidade norte-americana. Mas o gênero não se limita às fronteiras dos EUA, pois, a expressão popular ganhou o mundo. Nesse sentido, a Unesco celebra o Dia Internacional do Jazz em 30 de abril. Isso porque a música tem “o papel diplomático de unir as pessoas em todos os cantos do globo”.

Tal qual o Blues (gênero que pretendo ainda escrever um artigo aqui para a revista), a história do Jazz tem inquestionavelmente fortes raízes africanas, oriundas principalmente das matrizes espirituais e canções ritualísticas. Contudo, os jazzistas também foram influenciados pela colonização europeia.

Escravos africanos oriundos de uma mesma tribo étnica eram separados para evitar formações de revolta. E, pela mesma razão, nos estados da Geórgia e Mississippi, não era permitida aos escravos a utilização de tambores ou instrumentos de sopro que fossem muito sonoros, pois, poderiam ser usados no envio de mensagens codificadas. Entretanto, muitos fizeram seus próprios instrumentos com materiais disponíveis, e as maiorias dos chefes das plantações incentivaram o canto para que fosse mantida a confiança do grupo. A música africana foi altamente funcional, tanto para o trabalho quanto para os ritos.

As músicas de campo de trabalho incorporaram um estilo que poderia ser ainda encontrado em penitenciárias.                                                                                                              Nos anos 1960, muito se assemelhavam com canções nativas ainda utilizadas em Senegal. No porto de New Orleans, carregadores de origem africana ficaram famosos pelas suas canções de trabalho. Essas canções mostravam complexidade rítmica com características da polirritmia do jazz. Na tradição africana eles tinham uma linha melódica e com um padrão pergunta e resposta, contudo, sem o conceito de harmonia do Ocidente. O ritmo refletido no padrão africano da fala e o sistema tonal levaram às blue notes do jazz.

Já entre as décadas de 1890 e 1910 salões para bailes públicos foram abertos em diversas cidades norte-americanas. A música popular de bailes na época era em estilos blues-ragtime: vibrante, entusiástica e, quase sempre, improvisada. A música, ragtime daquele tempo era em formato de marchas, valsas e outras formas tradicionais de músicas, porém, a característica consistente era a sincopação (padrão rítmico em que uma nota ou um som é executado num tempo fraco, ou na parte fraca e continuado num tempo forte, ou na parte forte do mesmo tempo).

Com o final da guerra civil americana, a abolição da escravidão levou às novas oportunidades para a educação dos afro-americanos que eram livres, mas a segregação racial ainda limitava muito o acesso ao mercado de trabalho. Havia exceções: ser professor, pregador ou músico; e muitos obtinham educação musical. Várias bandas marciais foram formadas, aproveitando a disponibilidade dos instrumentos usados nas bandas do exército. Um pianista afrodescendente não podia ser aceito em salas de concertos, mas poderia ser encontrado tocando na igreja ou tinham oportunidades de trabalho em bares, clubes e bordéis de zonas de prostituição, sendo que, aqueles que liam partitura eram chamado de “professores” enquanto os outros eram “tocadores”.

As danças relacionadas ao jazz são normalmente inspiradas pelos movimentos de danças africanas, e foram, nesse período, adotadas também por um público de pessoas brancas. O ragtime-estilo de cunho mais popular e considerado primeiro gênero musical autenticamente norte-americano — gradualmente, se desenvolveu como música de improviso, com fontes incluindo o cakewalk (estilo de dança tradicional afro-americano, criado entre os escravos na região sul dos Estados Unidos da América como uma satírica das danças formais europeias), as marchas de Sousa (referidas as marchas de John Philip Sousa, compositor e maestro luso-americano, do romantismo tardio) e as peças para piano de salão.

Também em 1897, o compositor William H. Krell publicou seu “Mississippi Rag”; como a primeira peça de Rag escrita para piano. Scott Joplin, pianista instruído na forma clássica, produziu seu “Original Rags” no ano seguinte, então em 1899 o “Maple leaf Rag” foi um sucesso internacional. Ele compôs vários Rags populares, combinando sincopação, figurações do banjo e, às vezes chamada e resposta, entretanto, suas tentativas no ragtime na ópera e no balé não bem sucedido.

Porém, a banda de John Philip Sousa tocou ragtime em suas turnês pela Europa, de 1900 até 1905, e a linguagem “ragtime” foi continuada por compositores clássicos, incluindo Claude Debussy e Igor Stravinsky.

 

John Philip

 

A cidade de New Orleans, a mais populosa do estado de Louisiana, tinha se tornado uma mistura de diferentes etnias. Na época, diversas bandas marciais, as quais encontraram serviços em diversas situações, particularmente em funerais luxuosos. Neles, se tocava música solene no caminho do cemitério, e posteriormente no trajeto de volta eram executadas versões de músicas como a Marcha Fúnebre em estilo ragtime.

A partir do ano de 1890, o trompetista Buddy Bolden liderou uma banda que incorporava danças africanas, música com elementos de blues e adicionando swing ao ritmo, trazendo inspiração a futuros músicos de jazz. Aliás, para muitos historiadores, Buddy Bolden é considerado o fundador do jazz. Sua carreira acabou abruptamente em 1907, antes que ele pudesse deixar sua obra gravada.

 

Banda liderada por Buddy Bolden

 

Vários nomes surgiram então à partir da fusão proposta por Buddy Bolden, dentre eles Elly Roll Morton, cuja composição “Jelly Roll Blues”de 1905 e publicada em 1915, fora o primeiro arranjo de jazz impresso; outros músicos que merecem destaque desse período são: Freddie Keppard, Joe “King” Oliver, o trombonista Kid Ory, e Louis Armstrong.

A proibição da venda de bebidas alcoólicas nos Estados Unidos, que vigorou de 1920 a 1933, resultou na criação dos speakeasies, locais onde a bebida era vendida ilegalmente. Esses estabelecimentos acabaram sendo grandes difusores do jazz, que, por isso, ganhou a reputação de ser um estilo musical imoral.

Nesse período, em 1922, a Original Creole Jazz Band se tornou a primeira banda de jazz de músicos afrodescendentes de New Orleans fazer gravações. No entanto, era Chicago o novo centro do desenvolvimento do jazz, porque lá então se juntaram King Oliver e Bill Jonhson. Naquele ano Bessie Smith, famosa cantora de blues, também gravou pela primeira vez.Bix Beiderbecke formou o grupo “The Wolverines” em 1924. No mesmo ano Louis Armstrong se tornou solista da banda de Fletcher Henderson por um ano e depois formou o seu próprio grupo, o Hot Five. Jelly Roll Morton gravou com os New Orleans Rhythm Kings, e em 1926 formou os Red Hot Peppers. Na época havia um grande mercado para a música dançante influenciada pelo Jazz tocada por orquestras de músicos brancos, como a de Jean GoldKette e a de Paul Whiteman. Em 1924 Whiteman pediu ao compositor George Gershwin que ele criasse um concerto que misturasse características de Jazz com a música clássica, o que resultou na famosa “Rhapsody in Blue”, que foi executada na première o concerto An Experiment in Modern Music, regido por Whiteman.

Assim, passado um pouco pela história de onde essa mistura jazzística começou, falar sobre jazz e não discutir sobre improvisação é como dialogar sobre música e não proferir nada sobre som. Enquanto, como já expliquei que o jazz pode ser de difícil definição, improvisação é claramente um dos elementos essenciais. O blues mais antigo era habitualmente estruturado sob o repetitivo padrão pergunta e resposta, elemento comum em músicas tradicionais — uma forma de música tradicional que aumentou em parte devido às canções nos campos de trabalho.

 No blues mais antigo a improvisação era usada com bastante propriedade. Essas características são fundamentais para a natureza do jazz. Enquanto na música clássica europeia, elementos de interpretação, ornamento e acompanhamento são, às vezes, deixados a critério do intérprete, o objetivo elementar do intérprete é executar a composição como está escrita. No jazz, entretanto, o músico irá interpretar a música de forma peculiar, nunca executando a mesma composição exatamente do mesma modo mais de uma vez.

Dependendo do humor e da experiência pessoal do intérprete, interações com músicos companheiros, ou mesmo membros do público pode alterar melodias, harmonias ou fórmulas de compasso da maneira que achar melhor. Era muito comum os músicos revezando tocando a melodia, enquanto outros improvisavam outras.

A música clássica da Europa tem sido conhecida como um meio para o compositor. O jazz, contudo, é muitas vezes caracterizado como um produto de criatividade democrática, interação e colaboração, colocando valor igual na contribuição do compositor e do intérprete.

Na era do swing, big bands passaram a ser mais baseadas em arranjos musicais – os arranjos foram tantos escritos como aprendidos de ouvido e memorizados (muitos músicos de jazz não liam partituras). Solistas improvisavam dentro desses arranjos. Mais tarde no bebop, o foco mudou para os grupos menores e arranjos mínimos; a melodia (conhecida como “head”) era indicada brevemente no início e ao término da música, e o âmago da performance era uma série de improvisações no meio.

Estilos de jazz que vieram posteriormente, tais como o jazz modal, abandonaram a noção estrita de progressão harmônica, permitindo aos músicos, improviso com ainda mais liberdade, dentro de um contexto de uma dada escala ou modo. As linguagens avant-garde jazz e o free -jazz permitem, e até mesmo exigem, o abandono de acordes, escalas, e métrica rítmica.

– Percebem quão infinitos é o universo do jazz?

Assim, vou aqui ao final do artigo deixar alguns vídeos que sintetizam (um pouco) esse universo.

O primeiro o vídeo é da composição de George Gershwin, “Rhapsody in Blue”, que como supracitado no artigo foi uma criação para concerto misturando características de Jazz com a música clássica:

 

 

O segundo vídeo é do genial Miles Davis com “So What”de 1959um exemplo de jazz modal:

 

 

 

 Este terceiro vídeo é de “Feeling Good” de 1965 da majestosa Nina Simone:

 

 

 

Um dos maiores nomes do estilo e um clássico eu deixo nesse próximo vídeo, do inigualável Louis Armstrong com “What a wonderful world”de 1967:

 

 

 

Por último, deixo também o grandioso John Coltrane, com “My favorite things” de 1961:

 

 

 

Até uma próxima oportunidade!

Abraços fraternais,

 

Por RAFAEL PELISSARI

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Pular para o conteúdo