NOSSA LITERATURA – Entrevista com Márcio Gómez Benito

NOSSA LITERATURA – Entrevista com Márcio Gómez Benito

ENTREVISTA

Márcio Gómez Benito nasceu na cidade de São Paulo, filho e neto de espanhóis, é psicólogo clinico e bacharel em Letras alemão-português. Participou da antologia “Estranha Beleza: Antologia Brasileira da Retranca” (2018) – Editora Mondrongo, da antologia “Poesia Brasileira em Contracorrente: o retorno estético do século XXI”, traduzida para o francês por Wladimir Saldanha, e mantém o blog versodebrionquedo.wordpress.com, onde publica suas traduções poéticas.

 

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THE BARD Vejo nos teus versos uma nostalgia da alegria da dor do amor, ora uma melodia melancólica ora um ar cômico, espirituoso, chega a ser inocente. É isso mesmo?

 

MÁRCIO BENITO Olá. Sim, há no meu primeiro livrinho de poemas a mescla entre o humor e a dor, mas o tema fundamental de todo ele é a incerteza do destino, por isso o título “Se Por Acaso Alguma Estrela.” A imagem simbólica da estrela como guiadora da fortuna ou do infortúnio, o acaso como um caminho imprevisto que se apresentou com a força da necessidade, e a vagueza da palavra “alguma” pela sua incerteza. Considero que a minha história de vida sofreu, de certa maneira, a força desse destino. Explico: perdi parte de minha saúde quando estava, por assim dizer, na flor da idade, nos meus 25 anos. Tendinite, bursite e tenossinovite crônicas, perda de emprego, término de namoro, parei de dirigir, inúmeros médicos por anos a fio, dores diárias e insuportáveis por quase dez anos seguidos. Depois, problema nos olhos. Enfim, era preciso uma mudança no modo de ver o mundo para que eu o suportasse. Então, às vezes me lembrava de algumas poucas palavras ditas por um excelente professor de terapia cognitivo-comportamental da depressão de meu curso de psicologia, mais ou menos assim: “quando puderem, não se esqueçam de se utilizar do humor; o humor pode salvar uma vida.” Sempre me lembrei disso, e ainda me lembro para as minhas consultas psicológicas. Por isso o meu livro de estreia é carregado de humor mesclado à dor, e um certo tom de ingenuidade. Por isso quem o lê talvez perceba certas ressonâncias dos poetas de língua francesa Tristan Corbière e especialmente Jules Laforgue, e ainda alguma coisa de Cesário Verde e José Régio (este, pela voz mais dolorida). Quanto a minha saúde, a recuperei boa parte, já há alguns anos. Dirijo, trabalho, etc. Mas é a história que carrego. Inclusive para o meu próximo livrinho.

 

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THE BARD Tua formação acadêmica de psicólogo à bacharel em letras, o escritor e o tradutor. Como funciona esses “eus” na tua construção poética? O tradutor é um pesquisador, o bacharel; e o escritor é um analista, o psicólogo? Penso que te facilita, traz uma maturidade no olhar sobre a alma humana, concorda? É assim?

 

MÁRCIO BENITO Tanto o escritor quanto o tradutor são pesquisadores e, de certo modo, também analistas, mas não analistas psicológicos, claro; quando se trata de escrita poética, o que está em jogo é a linguagem, o ritmo, as estruturas sintáticas, etc, blá-blá-blá. Tudo o que a gente já sabe. Assim, penso que o bom escritor de poesia necessita, antes de tudo, ler muito. Não se deveria escrever versos à toa, sem rigor, como quem joga tintas numa tela em branco à maneira de pintores modernosos. O bom poeta precisa, primeiro, ler os grandes escritores de prosa e de poesia; depois, observando como estes construíram suas frases, tentar imitar para aprender, a tal mímesis. E digo isso não por cartilha, mas porque eu mesmo cometi o erro, por anos a fio, de escrever “versos” sem antes estudar, de verdade, os grandes poetas e escritores.

Aliás, a parte mais humorada do meu livrinho de estreia, que são as duas últimas seções, funciona também como uma mascarada. Tentei dar voz a múltiplos personagens que conheci, desde a mulher retratada na seção “Querela da Estrela” ao bêbado do poema “Só mais um trapo”, desde personagens vergonhosos a personagens um tanto quanto insensatos. E os tomei para mim, e deixei que falassem através do “eu lírico”. Mas é certo também que eu não poderia, de modo algum, deixar de retratar as minhas fraquezas e mesmo os meus ridículos. O último poema do livrinho que o diga. Mas, antes de descrições e confissões, são poesia.

 

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THE BARD Estás preparando novo livro. É obra do poeta-tradutor ou apenas do poeta. Podes nos adiantar alguma coisa ou é cedo ainda?

 

MÁRCIO BENITO Meu próximo livrinho é também de poemas autorais. Já tem nome, está quase pronto. Talvez falte um ou dois poemas, e algum posfácio. O que posso adiantar é que já tem título “Por Falta de Colírio”. Um poema? Pode ser este:

Bom dia

Acordo. O meu bom dia é um olho seco
que muito se parece a um sol da tarde
deitando-se de esgar no pó de um beco

e que se quer fornalha como alarde
dizendo-se paixão por ser vermelho.
Bom dia para o beco que me encarde

enquanto me levanto por conselho
de um “muito há que bater durante o dia”
às asas naturais frente ao espelho

que, de baço, mostrou-se à revelia
de ser um tributário de Narciso,
e agora me afundasse na agonia

da vida transmudada desde o riso
ao pranto desmedido de uma fera;
bom dia a quem perdeu um paraíso

e mais do que coçar se desespera
no inferno de um olhar que é turvação.
Bom dia? Por favor, ou quem me dera,

há chuva pra cair – bom dia não.

 

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THE BARD Alguns dizem que a tradução de poemas corrompe um pouco o original, outros, porém, aplaudem as traduções porque é uma forma de universalização da poesia. Isso te estimula ou te incomoda? Vou deixar aqui uma tradução que vi no teu blog e lá havia outra tradução do mesmo poema. Mas, na minha humilde opinião, a tua tradução, Márcio, é belíssima diante da outra.

Poeira Nevada – de Robert Frost, (1874-1963)

A maneira que um corvo
Atirou-me a poeira
Nevada de um tronco
De cicuta, certeira,

Deu a meu coração
Melhor senso de humor
E salvou-me a porção
De um dia só de dor.

Tradução de Márcio Gómez Benito

Dust of Snow – from Robert Frost

The way a crow
Shook down on me
The dust of snow
From a hemlock tree

Has given my heart
A change of mood
And saved some part
Of a day I had rued.

MÁRCIO BENITO Nunca me incomodou. Toda língua é única e tem sua beleza. A tradução de poesia nada mais é do que a tentativa, por parte do tradutor, e que me desculpem a redundância do termo, de transportar, da melhor forma possível, a beleza original de uma língua para a outra. Há perdas, naturalmente, mas de vez em quando há ganhos; dependerá da qualidade do tradutor e da poesia de origem.

E obrigado pelo elogio.

 

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THE BARD Aqui termina a nossa breve entrevista com o poeta e escritor Márcio Gómez Benito. Nós, da Revista The Bard, agradecemos pelo teu tempo e consideração ao nos ceder essa entrevista. Sempre pedimos aos nossos entrevistados uma mensagem de incentivo a nós da equipe e aos leitores da The Bard aspirantes a escritores. Mais uma vez, muito obrigada.

 

MÁRCIO BENITO Agradeço e fico honrado pelo convite.

Ao pessoal da equipe da revista The Bard – continuem o belo trabalho, e não desanimem. Levar literatura para as pessoas, seja poesia ou prosa, é espalhar beleza, e o mundo precisa de beleza, hoje ainda mais.

Aos leitores da revista – aproveitem as dicas, anotem, corram atrás, e apreciem a beleza do mundo.

Por CLEÓPATRA MELO

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