Toda vez que eu me sinto mal eu me lembro de você. Eu sinto minha canela dolorida, escuto os gritos das pessoas, olho para o quarto bagunçado e me lembro de você.
Parece que havia algo se programando e se firmando no nosso desespero. Como se sua dor fosse tão sistemática e inconsciente que doesse em mim também. Não do jeito que um picolé dói nos dentes ou do jeito que gritam com você e você tem que sorrir porque sabe que não há mais o que ser feito, embora isso também me lembre de você.
E é impressionante como o foco da narrativa e seus sentimentos não mudam, eles apenas evoluem ou trocam de contexto. Mas ainda são tão reconhecidamente seus, que consigo sentir o cheiro de perfume barato e óleo essencial de lavanda. E os ossos finos e as olheiras fundas. E de como chorei ao ver uma foto sua criança, porque você não é mais assim. E dói e lembro e me lembra tanto de mim.
Porque toda vez que eu me sinto mal eu lembro de mim. Eu consigo reconhecer a memória muscular e a lágrima cai sozinha, desesperadamente minha. E eu sinto a garganta fechando, as mãos tremendo, o estômago revirando, tudo tão, irremediavelmente meu. E minha cara parece mesmo a minha, e reconheço cada tremor e cada saída, cada fuga tão, mas tão vazia. E o que posso fazer é fugir e lutar e correr e me afogar e genuinamente perceber como tudo é tão intrínseco a mim.
Que nunca poderei dizer que toda vez que me sinto mal me lembro de você. Porque você não fez nem cócegas, você não deu nem beijos, você não chegou a representar uma cerveja podre jogada fora. Você só foi, inevitavelmente, você.
Por IZABELA VITÓRIA MOURÃO