Há muitas formas de contar uma história, mas, independentemente da forma que se escolha, costuma-se deixar o melhor para o final. Para a segunda parte do artigo sobre paralisia do sono, deixei o mais aterrador episódio de paralisia do sono que experimentei. Foi em 1995, durante meu penúltimo ano no Exército.
No Exército, o horário de almoço dura aproximadamente uma hora e, como, normalmente, se almoça no quartel, acaba sobrando tempo para executar pequenas tarefas ou dar uma dormida. Sempre detestei dormir de dia, mas nessa época, as noites eram tão curtas e o cansaço tanto que eu acabava fazendo como quase todo mundo e aproveitando os 20 ou 30 minutos que sobravam do almoço para dar uma cochilada. Os episódios de paralisia vinham quase sempre nessa hora e não eram menos assustadores por ser dia claro e eu estar rodeado por outras pessoas, muito ao contrário. Eram minhas primeiras experiências com a paralisia do sono e eu não tinha a menor ideia do que estava acontecendo. Era tudo muito perturbador.
Mais que perturbadora, no entanto, foi a experiência que tive no mesmo período, certa madrugada, e para a qual não tenho explicação.
Eu estava de serviço em um local bem isolado e, se você não sabe o que quer dizer “tirar serviço”, aí vai uma rápida explicação. Todo quartel tem um grupamento que fica cuidando da segurança, enquanto os outros desempenham suas atividades normais. São, basicamente, homens que ficam em postos de sentinelas por períodos de duas horas, revezando-se, e outros homens que cuidam para que esse revezamento aconteça e verificam se tudo está bem, em todos os postos.
Minha função era de Sargento de Dia, o que significava ser responsável por fazer rondas, algumas delas de madrugada, passando pelos postos de sentinelas.
Como todo o pessoal de serviço, eu dormia fardado, sozinho, em um alojamento cuja porta de vidro, que dava para o lado de fora do prédio, ficava permanentemente aberta. Essa porta ficava na direção dos meus pés, a uns dois metros de distância da cama.
Em um horário que estimo ter sido entre duas e quatro da manhã, acordei, e estava paralisado. Difícil imaginar um lugar pior para ter esse tipo de experiência. Quando, após muito esforço, consegui abrir os olhos, deparei-me com uma sombra na porta entreaberta, como se algo estivesse lá parado, me olhando. Antes que eu pudesse fazer qualquer coisa, a sombra avançou sobre mim. Foi muito rápido. Um instante estava lá, no outro, estava sobre mim, me empurrando para baixo e colando seu não-rosto sobre o meu. Não foi nem sutil nem fantasmagórico, foi uma pancada. Doeu. A coisa não tinha feições, parecia uma silhueta em 3D, uma sombra sólida. Eu tentava me desvencilhar enquanto sentia algo arranhar meus lábios freneticamente e foi quando um pensamento sinistro me veio:
“Minha língua. O filho da puta quer arrancar minha língua com os dentes.”
Desesperado, empurrei com toda a força. A sombra saiu de cima de mim e retrocedeu na direção da porta. Não sei dizer se sumiu ou se foi embora ou se as duas coisas, foi tudo muito rápido e eu corri para o banheiro, para ver o que tinha acontecido com minha boca.
Acendi a luz e me olhei no espelho. A área ao redor de meus lábios estava vermelha, como se tivesse sido arranhada.
Não consegui mais dormir. Ficava tirando e colocando a pistola no coldre. Eu queria tê-la nas mãos, para me sentir mais seguro, mas, ao mesmo tempo, tinha medo de atirar em alguém que aparecesse na porta.
A manhã chegou, trazendo tantos problemas que minha visita da madrugada ficou para trás.
Falei disso com poucas pessoas até hoje. Mas tive vontade de tirar isso do sistema.
Você tem alguma história de paralisia do sono? Na próxima edição da coluna, quero trazer histórias dos leitores. Se quiser tiver tido alguma experiência e quiser falar sobre ela, me manda um e-mail em jamoreiraescritor@gmail.com .
Por JORGE ALEXANDRE MOREIRA