CONTOS E MINICONTOS – Desatinado em vida animália por Rute Ella Dominici

CONTOS E MINICONTOS – Desatinado em vida animália por Rute Ella Dominici

O matuto é sedento de paixão desde os dias onde via os animais que se acasalavam.

Certas pessoas imaginam os animais e gentes; criativos inventam como eles pensam, e como os pensamentos deles falam mais que os seus, ouvem as falas em farras, disputas e romances.

O menino perdeu o pai aos seis anos, parece um causo, mas, na verdade, foi um caos em plena mata nas terras vermelhas e rachadas da área rural mineira. O cunhado comprou o vaqueiro do fulano que por sua vez era seu capanga. Vingou- se das ameaças tolas a respeito da divisa das terras das duas irmãs que eram as herdeiras legítimas das partes da fazenda do ribeirão Santa Rita.

O pai, por envenenamento da água do cantil do capanga, sucumbiu à cabeceira do córrego do rio Tejuco; seis dias passados foi achado ali, povoado por formigas.

Solon se lembrava que antes do pai sair pediu a benção e o pai o abençoou com as mãos em sua cabeça. Não se sabe se desde este dia ou desde a falta tanta do pai João Tatu, O menino ficou aluado e endoidou um pouco.  Desde então entrou num silêncio aloprado. Às vezes se calava e brincava sozinho ou brigava com tudo e todos numa agitação onde não se entendia sua fala incógnita. Então seu refúgio preferido era o chiqueiro ou o campo onde o gado solto se evadia lentamente.

O namoro dos bichos era fenomenal, curioso e muito legal. Se apaixonou pelas fêmeas inacessíveis, dóceis novilhas, leitoas rosadas, as éguas… como eram lindas e ágeis, como as desejava. Iniciava ali uma trajetória ao amor impossível. Como ele, um moleque franzino e triste, competiria com machos inteiros?

Em casa se lavava na espera de ficar lindo e cheiroso, algo habitual e repetitivo, lavava mãos, braços e rosto sem parar e olhava no espelho do lago, ou das panelas d’alumínio que areadas lumiavam no jirau do terreiro.   

Passados anos, Solon tinha evoluído na escola da roça que distava 6 km da casa da fazenda. Ele sempre teve raciocínios para aritméticas e geografia, nenhum dos alunos aprendia o português do professor que mal o traduzia para a língua dos matutos, difícil esse trem de falar certo igual aos da Capital.

Dos anos passados, se lembra dos casamentos dos irmãos, o caçula foi o primeiro a engravidar a coroa, com quem se casou, pois, gente de bem assumia o que fazia, senão o reino da mãe, voz imponente de viúva, se mostrava em filho, mesmo adulto. Em seguida o irmão estudado se casou com uma paulistinha cocota e bonitinha. Depois o terceiro mano também escolheu uma mineira agitada e de boas risadas.

Solon, era solitário e macambúzio, disfarçada-vida, era aliviado pelas idas e vindas à cidade, no centro onde observada as moças e desejada roubar um beijo, abraço que pudesse desabitar de sua castidade. Nas lojas de roupas, a escolherem para ele camisa de cambraia e calca de linho para causar boa impressão. O nada e ninguém o levava às concessionárias, onde se arriscava num consórcio de moto para poder levar as divas mineiras na garupa.

A ilusão-realidade era um amálgama. Aos setenta anos, ainda na roça, Solon vai e volta todos os dias da cidade, onde presenteia a namoradinha de dezoito, lindinha como as esposas de seus irmãos, hoje já senhoras, com celulares novos, moto e capacete, acreditando sem alguma lucidez no amor tardio. Não pode morrer assim, pensa, sem nunca ter se deitado com uma mulher bonita…

Nesta rítmica sensação das mãos do pai sobre si, lava a cabeça na torneira da pia da cozinha, enxágua as mãos na aguada do córrego da quebra dente, junto ao gado nelore, branco tal sua consciência. Mergulha e nada no Tejuco sem bem saber nadar. Querer se casar fora sua mais pura e obcecada necessidade.

A animália, sua lembrança mineira calma, em meio à agitação de mentecaptas paixões.

Por RUTE ELLA DOMINICI

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