CONTOS E MINICONTOS – Noites Estreladas em Curuçá por Jefferson Machado

CONTOS E MINICONTOS – Noites Estreladas em Curuçá por Jefferson Machado

Eu tinha meus nove anos quando toda a família resolveu num final de semana viajar para o interior.  Era uma vila no nordeste do Pará, na foz do Amazonas, na cidade de Curuçá.  Estavam todos animados para a viagem.

Ficamos em uma pequena casa de esquina. Ao chegar pela manhã bem cedo, fomos recebidos com uma mesa bem arrumada com duas garrafas de café com leite. E num prato de vidro pirex, que toda casa dos anos 90 tinha, estava cheia bolinhos fritos e dourados no meio da mesa.  O casal de idosos, amigos da minha tia que nos recebeu, eram muito atenciosos.

Seu Inácio, com seus 60 anos, me deu um afago na cabeça e dona Tereza me colocou à mesa e me serviu os bolinhos que, de tão dourados, pareciam pinceladas de sol em uma tela de sabor e memórias. Na primeira mordida, percebi que não era um bolinho comum, mas um bolinho de peixe, não que o peixe seja algo incomum, mas era acostumado a comer bolinho de carne, de frango, até camarão. Mas de peixe foi a primeira vez. 

Logo depois, nos reunimos com os donos da casa e fomos à beira do rio que banhava a cidade. No caminho, encontramos alguns pescadores que chegavam com vários peixes pendurados numa vara. Vinham de uma boa pescaria. Quando chegamos ao rio nos divertíamos e contemplávamos na margem à floresta com todos os seus encantos. Para uma criança de nove anos tudo era fantástico e mágico.

Já chegava próximo ao meio-dia, quando seu Inácio nos alertou em relação ao almoço. Na casa, estava uma mesa cheia de pratos sobre uma toalha florida e no fogão, dona Tereza fritava posta de peixes. No centro da mesa, haviam duas jarras de açaí, bem avermelhados e como dizem aqui em nossa terra “do grosso”. E claro não podia faltar a farinha de mandioca, daquelas bem amarelinhas, conhecidas como a farinha de Bragança.

Após todos de “bucho cheio”, fomos dá aquele cochilada. Já eram 17:00 horas da tarde quando no poste de energia que passava na frente da casa do seu Inácio um urubu sentou e com a descarga elétrica levou um choque e caiu durinho no chão como uma marionete cujas cordas invisíveis foram cortadas de repente, deixando-o imóvel e sem vida.  Todo a rua ficou sem luz, trazendo um ar tenebroso e de mistério sobre aquele lugar.

Na frente da residência, tinha um casebre de um curandeiro que por algum motivo viajara. O meu primo achou de entrar por curiosidade e ver o que aquele homem escondia. Tinha dois cômodos e um banheiro. Na sala se encontrava alguns santos e caboclos numa espécie de altar com várias velas acesas e no quarto tinha apenas um colchão com travesseiro no chão.

Depois de nossa pequena aventura, na casa do feiticeiro, desconhecido, saímos, fomos contemplar o céu estrelado de uma noite escura do interior. Eu nunca tinha visto um céu tão brilhante assim, era igual a um sonho de fadas transformado em realidade, com as estrelas brilhando como os olhos curiosos e encantados de seres mágicos observando o mundo. A minha observação foi interrompida pela voz de Dona Tereza já nos chamando para Jantar. E adivinhem o que era? Novamente peixe, uma caldeirada de peixe. Não sei vocês, mas eu já estava enjoado de tanto peixe. Foi peixe no café da manhã, no almoço e na janta. Haja peixe.  Logo após a janta, seu Inácio nos convidou para o Festival do Folclore na cidade de Curuçá, que eram apenas 6 minutos de carro.

Lá assistimos o Cordão de Pássaros, uma festa típica da região. Dona Tereza, nos disse que é uma verdadeira Ópera Cabocla, um teatro feito por moradores locais.  A história fala sobre um pássaro morto pelo caçador e um mimo dos senhores de uma fazenda que procuram o líder de uma tribo para trazê-lo a vida.

No outro dia, nos preparativos para o retorno à cidade, nos deparamos com um cortejo, um tanto diferente. Era um funeral de uma moradora da vila. As pessoas vinham rindo e pedindo dinheiro para o barqueiro que ia atravessar o corpo. Acompanhando o cortejo vinha uma roda de carimbó cantando e dançando. Os parentes diziam que era a pedido da falecida. Seu Inácio e minhas tias deram alguns trocados para ajudar na travessia. Dona Tereza nos explicava que isso era costume na Vila. Já faz 29 anos que fomos à Vila de São do Abade e lendo este meu diário lembro até hoje desse jantar em família.

Por JEFFERSON MACHADO

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