CONTOS E MINICONTOS – Um triângulo de poder por Elizabeth Angela Calderón

CONTOS E MINICONTOS – Um triângulo de poder por Elizabeth Angela Calderón

Tixa corta uma cabaça de casca fina, mas dura o suficiente para não quebrar e para ter boa ressonância. Já retirou oito dentes de aço da vassoura de jardim. Em seguida, marca o diâmetro da abertura da cabaça num pedaço de madeira. Fura a forma com uma serra circular. Faz furos nas barras de alumínio e monta sua Kalimba. Quando a Kalimba está pronta, afina-a. Com os polegares percute as teclas de aço que emitem a harmonia. Tixa vê as notas subindo pelo ar como fumaça. Do, sol, si, re#, la. Essa é a música da vovó. Do, sol, si, re, re#, la. Notas da vovó. Tixa fecha os olhos. A kalimba chama a avó e a avó vem à memória. Formam um triângulo de poder. Tixa, a avó e a kalimba. Música encantada. Que a avó aprendeu com a avó, que aprendeu com a avó, que aprendeu com a avó.

A mão enrugada pega a mão da neta. Tixa pensa que a pele da anciã é igual à da terra. A terra onde plantam uma semente de cabaça. A terra nutre a semente. Tixa e a avó esperam a planta nascer, colocam bambus para que trepe. A planta sobe em tudo o que encontra. Tixa acha engraçado como a planta gosta de subir na árvore igual que a ela; então a planta se abre em flores maravilhosas, grandes e brancas. A avó diz a Tixa que ela é preciosa como a flor. A flor se transforma em cabaça e fica pendurada até que o sol a seca. Tempo em que a vovó transforma a cabaças em várias coisas, dependendo do tamanho da cabaça; colheres, tigelas, cabeças de boneca, chocalhos e o que Tixa mais adora:as kalimbas.

— Quando eu não estiver mais neste mundo, estarei sempre cuidando de você — é nisso que o povo de Tixa acredita, porque o amor entre a família não pode ser rompido em nenhuma circunstância. Nem mesmo com a morte – É um vínculo forte que nos une. A do amor. Um dia, quando eu não estiver aqui, você fará sua própria kalimba e me chamará. Esse é o poder da kalimba. A voz dela é tão doce, tão harmônica, que nos faz lembrar de tudo o que é belo. Tudo o equilibrado. Não há espírito que resista à voz da kalimba quando ela chama, é assim desde os tempos antigos. Por isso os homens do nosso povo inventaram a kalimba, para nos comunicarmos com o além, com as coisas que não podemos ver. Através da linguagem da música, dizemos e contamos coisas que nem todos sabem ouvir.

La, sol, sim, re#, la.

La, sol, sim, re#, la.

Tixa envolta numa nuvem de harmonias abre os olhos.

– Olá avó!

Por ELIZABETH ANGELA CALDERÓN

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