Levantei cedo aquele dia. Três da manhã era uma hora de sono ainda. Mas lá estava eu com os olhos espertos na escuridão do quarto. O silêncio naquele horário era terrível. Fui até a janela e olhei para a rua. Reparei que o apartamento da frente estava com a luz acesa e um movimento. Curioso, peguei o binóculo e fui olhar o que acontecia. Uma mulher jovem andava de um lado para o outro. Não a conhecia, nunca a vi. Mas isso não era grande coisa, pois mal conhecia meu vizinho do lado, como saber quem é o do outro lado da rua. Continuei minha curiosidade mórbida e solitária. A intimidade do outro não existia naquela noite angustiante. Observei que a mulher agora dançava. Eu não escutava a música que provocava tais movimentos. Ou o som estava muito baixo, ou dançava sem música. Olhava no escuro e me animava. Era um acontecimento para àquela hora sem movimento.
De repente ela parou e foi até a janela. O olhar era triste e o corpo se mexia com destaque para o movimento pendular na área do quadril. Resolvi tomar uma atitude de impulso. Fui até o interruptor e acendi e apaguei a luz duas vezes. Corri para a janela e verifiquei o resultado. Ela acenava e mandava beijos para a direção do meu apartamento e saiu dançando para o interior do quarto. A mulher depois apareceu e se sentou na cama com o rosto triste. Ao olhar para a janela, sorriu e piscou para minha direção. Depois chegou mais perto e com o polegar fez um sinal para o interior e em seguida um sinal giratório em torno da orelha com o indicador. Encostou esse dedo no canto dos olhos e o desceu sobre o rosto como se fosse uma lágrima. Apontou o indicador para a minha direção e falou algo que eu pude ler como: obrigada por me perceber. Depois sumiu e não mais a vi. Voltei para cama com a sensação de que havia feito algo importante. Mas ainda não estava satisfeito, pois aquele olhar me indicava mais coisas que a minha vã filosofia poderia mostrar.
Por ANDRÉ MORENO