CRÔNICAS – Por trás de seu olhar por André Moreno

CRÔNICAS – Por trás de seu olhar por André Moreno

 Levantei cedo aquele dia. Três da manhã era uma hora de sono ainda. Mas lá estava eu com os olhos espertos na escuridão do quarto. O silêncio naquele horário era terrível. Fui até a janela e olhei para a rua. Reparei que o apartamento da frente estava com a luz acesa e um movimento. Curioso, peguei o binóculo e fui olhar o que acontecia. Uma mulher jovem andava de um lado para o outro. Não a conhecia, nunca a vi. Mas isso não era grande coisa, pois mal conhecia meu vizinho do lado, como saber quem é o do outro lado da rua. Continuei minha curiosidade mórbida e solitária. A intimidade do outro não existia naquela noite angustiante. Observei que a mulher agora dançava. Eu não escutava a música que provocava tais movimentos. Ou o som estava muito baixo, ou dançava sem música. Olhava no escuro e me animava. Era um acontecimento para àquela hora sem movimento.

 De repente ela parou e foi até a janela. O olhar era triste e o corpo se mexia com destaque para o movimento pendular na área do quadril. Resolvi tomar uma atitude de impulso. Fui até o interruptor e acendi e apaguei a luz duas vezes. Corri para a janela e verifiquei o resultado. Ela acenava e mandava beijos para a direção do meu apartamento e saiu dançando para o interior do quarto. A mulher depois apareceu e se sentou na cama com o rosto triste. Ao olhar para a janela, sorriu e piscou para minha direção. Depois chegou mais perto e com o polegar fez um sinal para o interior e em seguida um sinal giratório em torno da orelha com o indicador. Encostou esse dedo no canto dos olhos e o desceu sobre o rosto como se fosse uma lágrima. Apontou o indicador para a minha direção e falou algo que eu pude ler como: obrigada por me perceber. Depois sumiu e não mais a vi. Voltei para cama com a sensação de que havia feito algo importante. Mas ainda não estava satisfeito, pois aquele olhar me indicava mais coisas que a minha vã filosofia poderia mostrar.

Por ANDRÉ MORENO

Pular para o conteúdo