NOSSA LITERATURA O que as cores têm a ver com isso?

NOSSA LITERATURA O que as cores têm a ver com isso?

Estimados leitores da 24ª edição da Revista Internacional The Bard, é com o coração colorido de emoções que trago nesta edição algumas reflexões poéticas acerca do protagonismo das cores na arte do dia a dia e da poesia.  Estou expressamente grata por poder dar cores a sua leitura e, pela oportunidade de seguir pintando virtudes poéticas por meio da palavra escrita. A poesia tem em si todas as cores do mundo, e todas elas são capazes de, feito aquarela, conduzir a beleza do mundo e da vida. 

Dedico a vocês, leitores, cada palavra aqui expressada. Sinto-me lisonjeada pela oportunidade de contribuir para a Revista Internacional The Bard e espero que desfrutem de uma boa leitura e tenham coloridas inspirações.

 

As cores da poesia 

como um arco-íris

em constante sintonia

que cabe em todas as possibilidades

de se fazer poesia

no coração do homem

que esculpe sua história

no formato e do tamanho do mundo

colorindo em si

as cores do universo

Márcia Neves

 

O que as cores têm a ver com isso?  

 

Há um azul em abuso de beleza

Manoel de Barros)

 

O poeta e as cores (Márcia Neves)

 O poeta é um ser

Que sabe ser frio

Que sabe ser quente

Que sabe ser vibrante

Que sabe ser gente

Que sabe repousar nas folhas

Olhares barlaventos e tonalizantes

Que pinta palavras

Jamais percebidas

Que sabe que a poesia

É mesmo esplendente

E assim se colore

O mundo estranhado

De quem ainda não abriu os olhos

Para ver as cores do mundo

E a beleza da poesia

 

Entre técnicas, estilos e características que compõem a poesia, encontra-se a necessidade das cores na arte de fazê-la e de fazê-la bem. O ato de agir de forma ética, positiva e extremamente necessária é uma virtude de todo ser humano que se compromete em construir dias melhores para si e para o outro, os quais vão além de qualquer dicotomia, inclusive o preto e o branco. Para enxergar um mundo colorido, é preciso entender, ou mesmo educar para ver, o que há entre a luz e o olhar, o colorido da vida, o que se ilustra com o trecho do livro O Mundo de Sofia, citado abaixo.

Sofia colocou os óculos. Tudo à sua volta ficou vermelho. As cores claras ficaram vermelho-claras e as escuras vermelho-escuras.

– O que você está vendo?
– O mesmo de antes, só que vermelho.
– A explicação para isto é que as lentes dos óculos determinam o modo como você percebe a realidade. Tudo o que você vê é parte do mundo que está fora de você mesma; mas o modo como você enxerga tudo isto também é determinado pelas lentes dos óculos. Você não pode dizer que o mundo é vermelho, ainda que neste momento ele pareça vermelho.

Cores são vibrações necessárias ao embelezamento da vida e da arte, que por sua vez, em uma dimensão imagética e uma linguagem emotiva e descritiva, possibilita certa verossimilhança de tudo o que ela busca representar (há quem diga que representa até a duplicidade da própria realidade). São capazes de despertar e representar diversos sentimentos; portanto, pode-se dizer que são formas de comunicação que partem de alguma complexidade do ser humano e se solidificam por tonalidades e sombras capazes de traduzir sensações e sentimentos.

Desde que os primeiros homens começaram a usar as cores para atrair e chamar atenção através de seus poderes, em seu processo de caça, as cores passaram a ser mais simbólicas e a ter mais vigor no dia a dia das pessoas. Tornaram-se ferramenta importante de trabalho, visto que são fatores que podem se relacionar com a psicologia e a espiritualidade, logo, atrelar-se aos sentimentos e desejos de cada um.

Quando se fala em cor na arte, diz-se do uso de tonalidades e sombras, pela associação das duas a fim de se obter uma tradução perfeita do que se pensa representar, como a harmonização do ambiente e representação de personalidades distintas, mediante sensações que são provocadas a partir delas e da ação da luz sobre a visão.

Exemplo disso pode ser percebido em obras carregadas de simbologias e subjetivismos, de artistas como, Henri Matisse (Henri-Émile-Benoit Matisse foi um artista francês, conhecido por seu uso da cor e sua arte de desenhar, fluída e original), por meio das quais se buscava manter equilíbrio entre a vivacidade e a tranquilidade, com impetuosas cores e suas infinitas possibilidades que foram exploradas em seus primeiros trabalhos, inspirados pelas obras do pintor pós-impressionista Paul Cézanne. 

Le bonheur de vivre (A alegria de viver), 1906 

 

Salvador Dali, pintor espanhol, conhecido pelo seu trabalho surrealista, o qual chegou a afirmar que suas obras eram “fotografias de sonhos pintados à mão”. Com mais provocações de diversas interpretações e menos comparação com retratos da realidade, Salvador Dali esbanja cores que beiram ao surreal na obra A Persistência da Memória, considerada a mais emblemática obra do artista (demonstrada a seguir), a qual apresenta em primeira dimensão, por meio de todos os seus elementos, consolidando-se por meio das cores, relação de temporalidade e história (memória).

Salvador Dalí: A persistência da memória, 1931. 

 

O holandês Vincent Van Gogh, do qual destaco a frase “Ache belo tudo o que puder. A maioria das pessoas não acha belo o suficiente”, bem como sua obra A noite estrelada (1889), a qual acomete uma série de fatores vistos de um ponto de vista (que pode ter sido uma janela), representados por cores e movimentos intensos e distantes.

 

Trago ainda, um trecho do Van Gogh, por meio do qual é possível notar o papel das cores na arte de descrever a própria vida, a partir de singularidades do homem, incluindo seus sentimentos e até conflitos.

No azul profundo as estrelas eram cintilantemente esverdeadas, amarelas, brancas, cor-de-rosa, de um brilhante mais vítreo do que em casa – mesmo em Paris: chame-se-lhes opalas, esmeraldas, lapis lazuli, rubis, safiras. Certas estrelas são amarelo-limão, outras têm um rubor rosa, ou um verde ou azul ou um brilho que não se esquece. E sem querer alargar-me neste assunto torna-se suficientemente claro que colocar pequenos pontos brancos numa superfície azul-preta não basta.

E tantos outros artistas que poderiam ser citados, que podem ilustrar muito bem o papel da cor na arte de representar a vida e suas complexidades, por se utilizarem de todas as tonalidades possíveis para colorir ideias e intenções.

Pela dimensão das cores, é possível fazer dessas e tantas outras obras de arte, verdadeiras poesias e ainda, perceber o quanto as cores são inteligíveis, inclusivas e têm a ver com tudo.

Na poesia, na música, na escultura, na pintura, na comunicação, enfim, na vida, cores são instrumentos por necessidade, de orientação do coração do homem.

Fernando Pessoa, o mais universal dos poetas portugueses (assim considerado por alguns especialistas) em seus versos a seguir, demonstra um pouco desse universo.

Quando é que eu serei da tua cor,
Do teu plácido e azul encanto,
Ó claro dia exterior,
Ó céu mais útil que o meu pranto?

 

Tim Maia, cantor, compositor, reconhecido como um dos ícones da música brasileira, ressalta o universo da cor azul, na sua música Azul da cor do mar.

[…]

Ver na vida algum motivo pra sonhar
Ter um sonho todo azul
Azul da cor do mar

 

E por que não dizer que o poeta é mesmo o artista das cores? Aquele que encontra formas para colorir e dar sentido, usando uma única paleta, a detalhes de uma vida inteira, independentemente do jogo de cores; é ele o fazedor do papel da arte inteira.

Vejamos o quanto isso é expressivo no poema de Mario Quintana:

Escrevo diante da janela aberta.
Minha caneta é cor das venezianas:
Verde!… E que leves, lindas filigranas
Desenha o sol na página deserta!

Não sei que paisagista doidivanas
Mistura os tons… acerta… desacerta…
Sempre em busca de nova descoberta,
Vai colorindo as horas quotidianas…

Jogos da luz dançando na folhagem!
Do que eu ia escrever até me esqueço…
Para quê pensar? Também sou da paisagem…

Vago, solúvel no ar, fico sonhando…
E me transmuto… iriso-me… estremeço…
Nos leves dedos que me vão pintando!

 

Por mais que estejamos habituados às cores do dia a dia, sem elas a vida não teria a cor que tem. Em uma linguagem poética, cores fazem parte das condições do homem de enxergar com nitidez detalhes do seu dia a dia, como princípios do bem-ver e viver, ou seja, são necessárias e têm a ver com tudo, inclusive e principalmente com a poesia dos olhos seus.

“Tudo depende do tipo de lente que você utiliza para ver as coisas.” (O Mundo de Sofia).

Por MÁRCIA NEVES

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